“À beira da catástrofe”. O que são armas nucleares táticas e quais são seus riscos?

O mundo está atualmente enfrentando a escalada militar mais séria desde a Segunda Guerra Mundial. Ao invadir a Ucrânia e colocar suas forças nucleares em alerta máximo, Vladimir Putin despertou temores de um conflito nuclear iminente – um sentimento que estava adormecido desde a crise dos mísseis cubanos.

Desde o início da invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro, o presidente russo reiterou a ameaça de recorrer a armas nucleares, possivelmente referindo-se às chamadas armas nucleares táticas.
O que são armas nucleares táticas e estratégicas?
O Coronel Luís Alves de Fraga resume a diferença entre essas duas armas nucleares em um conceito básico: “Tudo o que está longe do teatro de operações é estratégico, e tudo o que está perto do teatro de operações é tático”.

As armas nucleares táticas são muitas vezes apelidadas de “armas não estratégicas”, em contraste com as armas estratégicas, que os militares dos EUA definem como projetadas para atingir “a capacidade de guerra do inimigo e a vontade de travar a guerra”, isto é, infraestrutura, sistemas de transporte e comunicação, assim como outros alvos.

“O armamento estratégico é tudo aquilo que se destina não propriamente ao campo de batalha, mas sim a criar coragem e vontade de combater quem está na retaguarda”, explica Luís Alves Fraga.

As armas nucleares estratégicas são intercontinentais. Apenas um único míssil estratégico pode causar destruição simultânea em vários pontos diferentes, já que um míssil pode transportar quatro ou cinco ogivas que vão para pontos diferentes em um determinado momento do percurso.

Voltando a 1945, o coronel e ex-professor de história lembra que a ação mais estratégica da Segunda Guerra Mundial foi o lançamento de duas bombas atômicas, que destruíram completamente as cidades de Hiroshima e Nagasaki e levaram o Japão à rendição. “Elas [EUA] eles não atacaram as tropas, eles atacaram a retaguarda das tropas”, disse ele.

Com o avanço do tempo e, por sua vez, da tecnologia, foram fabricadas as chamadas armas nucleares de teatro de guerra ou armas nucleares táticas. “São armas nucleares que, sem terem o mesmo efeito nocivo resultante da radioatividade, não são tão catastróficas como as armas nucleares estratégicas”, explicou o general Pezarat Correia, em entrevista à RTP.

Ao contrário das armas nucleares estratégicas, que são intercontinentais, as armas nucleares táticas são usadas na frente de batalha e em uma determinada zona. “A arma táctica já não está apontada com tanta precisão para um ponto, mas sim para uma área”, explica Luís Alves Fraga. As armas nucleares táticas são consideradas de “baixa potência”, capazes de armazenar uma potência de dez a 100 quilotons. Em contraste, as armas nucleares estratégicas podem ter uma potência de até 1.000 quilotons e são lançadas de uma distância maior. Um único quiloton equivale em potência a mil toneladas de TNT altamente explosivo.

“São a miniaturização das armas nucleares”, resumiu Pezarat Correia.
“Digamos que a arma nuclear tática é uma bomba de artilharia com um pouco mais de poder”, explicou.

Essas armas podem ser lançadas do ar, mísseis ou até mesmo uma peça de artilharia, que tem um alcance relativamente curto.
Os efeitos de uma arma nuclear tática podem ser iguais aos de Hiroshima e Nagasaki
A arma nuclear atua de três maneiras: pelo calor, pela explosão e pela nuvem radioativa. O calor da detonação pode ser mais quente que a superfície do Sol e o imenso poder liberado pela arma (a chamada explosão) produz uma onda de choque incrivelmente poderosa que destrói tudo em seu caminho por vários quilômetros.

Por sua vez, a intensa liberação de radiação e a nuvem radioativa que se forma, e a conseqüente precipitação, polui o solo e o ar a dezenas de quilômetros da zona de explosão.

70º aniversário do lançamento da bomba atômica em Hiroshima (Foto: Ho New, Reuters)

Lançamento da bomba atômica em Hiroshima (Foto: Ho New, Reuters)

“Essas armas matam a todos, imediatamente, a curto e médio prazo, e até a longo prazo, porque quem está naquela área ou morre pela queima ou pela radioatividade liberada”explicou o Coronel Luís Alves de Fraga.

Armas nucleares táticas, consideradas de baixa potência e projetadas para serem usadas em um campo de batalha limitado, transmitem a ideia de que é possível usar armas nucleares de forma controlada e delimitada. Apesar disso, esta ideia é “completamente falsa”. “Os efeitos de uma arma nuclear estratégica e tática são os mesmos, a dimensão é diferente”, explicou Luís Alves Fraga.

Para explicar melhor as consequências de cada uma das armas nucleares, o ex-professor recorreu a uma analogia. “Vamos imaginar um lago de jardim e várias pedras de vários tamanhos. A menor pedra, quando jogada no lago, causa pequenas ondas no local do impacto. Quando a pedra maior é lançada, a onda é muito maior e faz a água transbordar. Isso é o que acontece com uma bomba nuclear”, explicou.

Um míssil com explosivos não nucleares comuns seria representado aqui como a menor pedra, causando crateras e prédios desmoronados. Um míssil estratégico, que pode carregar várias ogivas, causa um impacto equivalente a atingir uma pedra de dez quilos com água. “Se for uma arma tática, equivale a atirar uma pedra de dois quilos: a água espirra, mas fica confinada ao lago. No entanto, tudo o que está lá sofre os mesmos efeitos que se atirassem uma pedra de dez ou 20 quilos”, explica Luís Alves Fraga. Para entender melhor o poder e o impacto de diferentes armas nucleares, veja este simulador.

“Uma arma tática pode ser uma arma para destruir uma cidade. É uma arma destinada a um teatro de operações, como o Donbass, por exemplo. Destrua a cidade e tudo ao redor da cidade”, disse o coronel.

A “Fat Man”, a bomba atômica lançada pelos EUA em Nagasaki, no Japão, em 1945, tinha 20 quilotons de potência. Por sua vez, o poder das armas táticas pode variar entre 10 e 100 quilotons, o que significa que o uso de armas táticas por Putin na Ucrânia pode ter o mesmo impacto das bombas atômicas no Japão, que causaram centenas de milhares de mortos.
Qual é estoque nuclear da Rússia
A Rússia é a maior potência de armas nucleares, com cerca de 6.250 ogivas nucleares, seguida pelos Estados Unidos, que tem mais de 5.500.

De acordo com uma avaliação da Associação de Controle de Armas, a Rússia tem cerca de 1.458 ogivas em 527 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados de submarinos e bombardeiros.
Os EUA têm 1.389 ogivas em 665 mísseis balísticos intercontinentais, mísseis lançados de submarinos e bombardeiros.

A Rússia também assumiu o controle das armas de outras ex-repúblicas soviéticas, incluindo Ucrânia e Bielorrússia, na década de 1990.

Recentemente, nos dias que se seguiram à invasão da Ucrânia, a Bielorrússia, aliada de Moscou, renunciou ao seu status de estado não nuclear, o que teoricamente poderia permitir que a Rússia colocasse mais armas nucleares naquele país.
“O mundo pode estar à beira da catástrofe”
Em setembro, Vladimir Putin anunciou uma “mobilização parcial” dos cidadãos do país e novamente ameaçou com o uso de armas nucleares.

“Se a integridade territorial de nosso país estiver ameaçada, certamente usaremos todos os meios à nossa disposição para proteger a Rússia e nosso povo. Este não é um blefe”, alertou Vladimir Putin, em discurso à nação.

A guerra que Putin esperava que terminasse em 15 dias já dura oito meses. Enquanto Kiev impressionou o mundo com sua resistência, Moscou ficou desiludida com suas tropas mal organizadas e preparadas. Dessa forma, o uso de armas nucleares pode ser a única solução, do ponto de vista do presidente russo, para não sair do conflito como nação humilhada e restaurar a imagem da Rússia como grande potência.

A questão é: Putin realmente recorrerá a armas nucleares? A resposta dividiu os analistas.

Para o Coronel Luís Alves de Fraga, as ameaças de Putin “são blefe”. “Se a terceira guerra mundial for travada com bombas atômicas, a quarta será travada com pedras, porque destruirá tudo”, disse o coronel, reproduzindo a famosa frase de Einstein.

O Secretário-Geral da OTAN considera também que a hipótese de uso de armas nucleares “é remota”. “A retórica nuclear da Rússia é irresponsável e perigosa, mas eles sabem que usar armas nucleares contra a Ucrânia terá sérias consequências e também estão cientes de que uma guerra nuclear não pode ser vencida e nunca deve acontecer”, disse Stoltenberg.

Apesar de ser uma possível tentação para muitos líderes militares, nenhum país ousou quebrar o tabu sobre o uso de armas nucleares desde os desastres de Hiroshima e Nagasaki, há 77 anos. Desde então, as armas nucleares têm sido usadas mais como uma ameaça do que como armas reais. Isso se deve a um fator fundamental: a chamada dissuasão nuclear.

“O princípio da dissuasão nuclear é: eu sei que se eu usar uma arma nuclear, posso estar sujeito a retaliação que causa danos que não superam os ganhos que posso ter com o uso de uma arma nuclear. E é isso que tem mantido o não uso de armas nucleares”, explicou o general Pezarat Correia.

Pezarat Correia não descarta, no entanto, a possibilidade de utilização de uma arma nuclear por um chefe de Estado “que tenha os seus interesses vitais em jogo”.

“Quando as principais potências se muniram de armas nucleares, não era exatamente para servir como vasos de flores ou enfeites nas salas de estar”, disse. “Quando você constrói armas nucleares, você admite a possibilidade de que, como último recurso, elas sejam usadas.”

O uso de uma arma nuclear tática por Putin desencadearia o início da escalada. O Alto Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, deixou claro que os aliados da Ucrânia (UE, EUA e OTAN) não estão blefe. “Qualquer ataque nuclear contra a Ucrânia provocaria uma resposta militar tão poderosa que o exército russo seria aniquilado” avisou Borrel.

“O mundo, neste momento, pode estar à beira de uma catástrofe”, declarou Pezarat Correia.

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