Enxames de robôs assassinos, disrupção cibernética, talvez até armas de micro-ondas, lasers ou ciborgues. Não há dúvida de que serão ingredientes essenciais de uma nova geração de conflitos. No entanto, se há uma coisa que a invasão russa da Ucrânia nos mostrou, é que essas armas de ficção científica provavelmente terão que conviver com humanos à moda antiga. Escondendo-se em trincheiras, disparando pequenas metralhadoras, não muito diferentes de Kalashnikovs, ou morteiros e artilharia ao estilo da Segunda Guerra Mundial. Que são confiáveis, baratos, fáceis de produzir em massa.
Há décadas se fala nisso, mas pode ser impossível realizar o sonho – ou pesadelo, dependendo da perspectiva – de uma guerra completamente robótica, na qual não se vê sangue nos campos de batalha, apenas circuitos estilhaçados piscando, avalia Carlos Mendes Dias, coronel em reforma, a i. Pelo menos num futuro próximo, porque na guerra “é preciso ocupar território, organizar e dirigir esse espaço”, explica.
“Podemos lançar uma máquina no solo, o que nos poupa trabalho e até vida. Mas no final, o mais importante é uma lógica de ocupação. De uma usina, de uma prefeitura. E afinal para quê? Para tirar recursos desse espaço. E isso faz o humano”, aponta o coronel português. “Estamos muito longe da máquina ser capaz de fazer isso.”
Ainda assim, parece quase inevitável que as máquinas desempenhem um papel cada vez maior em nossas guerras. Até porque é cada vez mais vantajoso economicamente.
“Nas aplicações civis, que são as que trabalhamos, por serem sistemas mais industrializados, o custo tende a cair muito”, explica i José Santos-Victor, Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores do Instituto Superior Técnico, investigador do Instituto de Sistemas e Robótica de Lisboa (ISR-Lisboa/LARSyS). Que insiste em não trabalhar com aplicações militares, mesmo demonstrando certo desgosto com esse uso brutal da ciência.
“Temos o exemplo do automóvel”, continua Santos-Victor. “Se pensarmos em toda a tecnologia dentro, nos componentes, no trabalho, o custo final é relativamente baixo. Tudo é otimizado em cada etapa da produção.”
Essa massificação tem tudo para transformar a forma como a guerra é travada. Quando se trata de UAVs (Veículo Aéreo Não Tripulado), ou drones, eles são vistos por alguns analistas como uma autêntica revolução bélica, comparável a metralhadoras ou mesmo à pólvora. Afinal, “sempre foi assim ao longo da história”, destaca Mendes Dias. “A guerra sempre foi um choque de tecnologia e novas técnicas. A luta entre a couraça e a lança, digamos, era constante.”
Avance, depois contra-ataque Vemos essa chamada “batalha entre o peitoral e a lança” acontecendo ao vivo na Ucrânia. Quando o Kremlin desdobrou seus enxames de drones iranianos, o Shahed-136, rapidamente ficou claro que as defesas aéreas ucranianas teriam dificuldade em lidar com eles, dependendo fortemente de sistemas de fabricação soviética, o S-300 ou o Buk. Não que os Shahed-136 sejam a tecnologia mais avançada disponível, sendo lentos e barulhentos, apelidados de “motocicletas” pelas tropas russas. Sua grande vantagem é que são usados em grande número. Assim, a Alemanha e os Estados Unidos reagiram enviando os sistemas IRIS-T e NASAMS, respectivamente, que estão entre as baterias mais modernas de mísseis antiaéreos, capazes de atingir vários alvos simultaneamente.
Então começou a fazer as contas. Se cada Shahed-136 custa o equivalente a cerca de 20 mil euros, a NASAM dispara mísseis AIM-120, comumente usados pelos estados da OTAN, com amplas reservas, mas custando mais de um milhão de euros cada. Ou seja, se a Rússia gastou entre 11,86 e 18,21 milhões de euros em ataques de drones na semana passada, estimaram os analistas da Molfar, a Ucrânia gastou pelo menos 28,63 milhões de euros tentando detê-los, com o NASAMS, caças MiG-29, mísseis de cruzeiro C-300 ou mesmo fogo de armas leves. Assim, a OTAN prometeu enviar equipamentos específicos para caçar drones.
A criação dessas “armaduras” contra drones é uma área em expansão. Em abril, o Pentágono testou plataformas da Epirus, Raytheon e Leonardo DRS capazes de emitir micro-ondas de alta potência para destruir circuitos em pleno voo. Em julho, a Raytheon anunciou a construção de um centro de investigação de armas a laser na Escócia, com o objetivo de abater drones. Eles têm a vantagem de não se esgotarem – a guerra na Ucrânia, onde as munições se esgotam a um ritmo nunca visto neste século, mostrou a importância disso – porque basta conectá-los à corrente elétrica, explicou Annabel Flores, Chefe de guerra eletrônica da Raytheon. . No entanto, eles não terão nada a ver com os raios laser coloridos que vemos sendo disparados nos filmes (ver páginas 16-17), pois são invisíveis. “Hollywood o faz parecer muito interessante e dramático, isso é um pouco diferente”, admitiu Flores à BBC. “Pode parecer uma espécie de anticlímax.”
Por enquanto, enquanto esses sistemas estão sendo testados e aprimorados, as defesas antidrones usadas na Ucrânia atingem principalmente seu ponto mais fraco. Interferir nas comunicações entre o UAV e seu operador, geralmente via ondas de rádio. É o que se chama ou jamming, em inglês.
“Quando falamos de jammers, uma distância aceitável para tentar parar os drones é de cerca de um quilômetro. Alguns têm que ter cerca de 500 metros, depende muito do tipo de jammer e drone”, explica ao i Vasco da Cruz Amador, fundador e diretor executivo da Global Intelligence Insight, consultoria de inteligência e segurança.
“Obviamente, se são drones de alta altitude que lançam explosivos e você nem consegue vê-los, há muito pouco que você possa fazer contra eles. Embora exista um sistema com tecnologia mais avançada”, destaca Amador. “Na Ucrânia, os drones foram interceptados, mas ainda não estamos em um momento em que essa tecnologia fala mais alto, está em um estágio inicial”.
Mesmo a perspectiva de que hackers militares tentem criar problemas para as operadoras, em uma espécie de guerra cibernética paralela, não é viável, avalia o diretor-executivo da Global Intelligence Insight. “Se você tem um centro de comando de drones sério – como os Estados Unidos têm, por exemplo, que navega com drones por todo o mundo a partir do deserto de Las Vegas – não é uma coisa fácil. Todas essas tecnologias têm defesas contra intrusão no próprio sistema, é quase impossível”, considera. “Se estamos falando de um operador encarregado de uma estação, pode ser possível, mas o mais fácil é interceptar por radiofrequência”.
Na prática, é um jogo de gato e rato, até porque alguns UAVs já possuem mecanismos contra interferências. Não que os russos sejam particularmente bons nisso – talvez seja por isso que eles foram ao Irã para comprar drones. Até o Kremlin admitiu que a maioria de seus fabricantes “não pode cumprir” os requisitos para a produção de UAV, explicou o coronel Igor Ischuk, assessor do Ministério da Defesa, citado pela TASS em setembro. Ressaltando a importância de que a nova geração de drones russos tenha sistemas contra jammers.
exterminadores “Robôs do mundo, vocês receberam ordens para exterminar a raça humana”, proclamava um panfleto escrito por autômatos humanóides feitos de material orgânico sintético. Eles queriam se revoltar e assumir o controle de uma fábrica, onde faziam trabalhos forçados, robota, em tcheco, palavra com origem em rab eslavo, ou escravo. “Não poupe os homens. Não poupe mulheres. Basta preservar as fábricas, ferrovias, minas e matérias-primas”, continuou o manifesto, lido na peça RUR de Karel Capek. Ele subiria ao palco pela primeira vez em 1921, cunhando o termo robô.
Em nosso imaginário, a relação com robôs sempre foi marcada por medos. Pela premonição de que podemos ser ultrapassados, de que nossa supremacia está em risco. Isso explica o fascínio pelo vídeo de um cão robô equipado com uma espingarda, que se tornou viral, com imagens falsas do suposto guarda-costas robô de um emir do Bahrein ou de soldados ucranianos modificando drones domésticos, instalando neles bombas.
Agora, talvez esses medos sejam mais justificados do que nunca, com a discussão em torno dos Lethal Autonomous Weapon Systems (LAWS), também conhecidos como “robôs assassinos”. Ou seja, eles não precisam de um operador humano para tomar a decisão de abrir fogo, ao contrário dos drones usados nas últimas décadas. Poderiam dar aos robôs a capacidade de melhor “ocupar território”, como explica Carlos Mendes Dias é essencial para a guerra. As delegações das Nações Unidas tentaram até banir as LEIS, querendo colocá-las na mesma categoria das minas terrestres ou lasers projetados para cegar o inimigo. Existe até uma campanha pedindo isso, “Stop Killer Robots”, que em 2018 anunciou seu apelo em uma carta assinada por figuras como Stephen Hawking, Elon Musk ou Noam Chomsky.
Pode parecer algo de outro mundo, mas essa habilidade não está longe. “Do ponto de vista tecnológico, para fins civis, tivemos projetos de veículos autônomos aéreos, terrestres ou marítimos. Vários conseguem reconhecer pessoas, quando são aplicativos de vigilância”, explica José Santos-Victor. “Eles podem mapear objetos, o terreno ou o fundo do mar, desenvolvemos algoritmos com essa capacidade. Temos projetos na área de prevenção e monitoramento de incêndios florestais, para observar a erosão da costa ou ver se as pontes apresentam defeitos”, enumera.
“É verdade que existem aplicativos que ainda não funcionam em todas as condições possíveis, não estruturados, em estado selvagem, como dizemos”, explica o pesquisador. “Mas com muitos desses aplicativos, o que vimos nos últimos anos é que no início eles trabalhavam em ambientes muito restritos, no laboratório, e progressivamente se tornavam mais robustos. Em alguns casos já trabalham em condições muito amplas”, observa Santos-Victor. E seria difícil imaginar um cenário menos caótico que um campo de batalha.
São avanços que vêm “muito à custa de novos métodos de aprendizagem”, salienta. “Podemos treinar sistemas com grandes quantidades de dados e computação, com redes neurais profundas, com muitas camadas”. Algo que transformou a Ucrânia em uma espécie de laboratório a céu aberto, permitindo à indústria de defesa prever o futuro da guerra. “Imagino que sim”, admite o pesquisador. “Que infelizmente existe uma motivação para coletar dados, testar sistemas, desenvolvê-los”. E algumas das armas mais promissoras do mundo estão sendo usadas lá, incluindo o THeMIS.
Este UGV (Veículo Terrestre Não Tripulado) fabricado na Estônia, ou drone terrestre, foi oferecido às forças de Kiev para ser usado para recolher feridos em zonas de combate. Mas “os usos potenciais do THeMIS”, descreveu o site do fabricante, Milrem Robotics, “são quase ilimitados”. Afinal, ele pode ser equipado com uma torre armada, carregando uma metralhadora de alto calibre. Ainda mais inovador, possui um sistema de aquisição de alvos que permitiria funcionar como um LAWS. É algo que a Milrem garante que não vai permitir que seja usado. Mas você certamente estará analisando os dados obtidos na guerra da Ucrânia com muito cuidado.
Não é de admirar que um think tank russo ligado ao Kremlin, CAST, tenha oferecido às tropas uma recompensa de um milhão de rublos se conseguirem capturar um THeMIS intacto. “O conflito na Ucrânia demonstrou que a guerra moderna é impensável sem o uso generalizado de veículos não tripulados”, disse Ruslan Pukhov, diretor da CAST, ao Business Insider. E os russos “estão ficando para trás”.
Ainda assim, suspeita-se que tenham sido os primeiros a usar um drone assassino no campo de batalha, primeiro na Líbia, agora na Ucrânia, denunciou o Boletim dos Cientistas Atômicos, organização dedicada a avaliar os riscos da tecnologia para a humanidade, responsável pela famoso Relógio do Juízo Final. Observando que o drone suicida produzido pelo Kalashnikov, o KU-BLA, pode detectar e atingir alvos de forma autônoma, e seus destroços já foram encontrados na Ucrânia.
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