Há três anos, o professor Jorge Ferreira, na época com 34 anos, notou que havia um gânglio inchado em sua região cervical – a região entre o pescoço e as costas. Uma investigação inicial com exames não mostrou nada de grave, o que deixou Jorge tranquilo para continuar com sua rotina normalmente. Mas, quase um ano depois, em meio a um cansativo período de estudos durante o doutorado, começou a sentir dores intensas no local.
“Também tive febre, sudorese, cansaço e, após exames, descobri que tinha anemia e outros indicadores de saúde alterados. Massa [no pescoço] já era muito maior — em cerca de oito meses, o quadro evoluiu muito rapidamente”, diz.
Com exames mais detalhados, o professor recebeu a notícia de que seu caso era um linfoma de Hodgkin, um tipo de Câncer rara que atinge cerca de três em cada 100.000 brasileiros.
O problema afeta os linfócitos, que são células do sistema linfático, geralmente encontradas nos gânglios linfáticos (pequenos órgãos), e têm a função de defender o organismo contra doenças, principalmente as virais.
Em pacientes com linfoma, as células tornam-se malignas e crescem descontroladamente. Em seguida, começam a produzir cópias idênticas nos linfonodos, espalhando-se e atingindo os tecidos adjacentes; se não forem tratadas, elas também podem afetar outras partes do corpo. O tórax é geralmente o mais afetado.
“Foi no início de 2019 que fechei o diagnóstico. Voltei para Maceió, onde mora minha família, para fazer o tratamento. Foi quando iniciei o processo no HUPAA-UFAL (Hospital Universitário Prof. Universidade Federal de Alagoas).”
Jorge conta que foi encaminhado ao setor de hematologia para iniciar quimioterapia com quatro medicamentos diferentes, protocolo que durou seis meses e terminou em novembro daquele ano.
A abordagem que recebeu é a mais utilizada nos casos de linfoma de Hodgkin. Trata-se da quimioterapia ABVD, que utiliza drogas anticancerígenas – com diferentes números de ciclos e substâncias para cada estágio ou caso – para destruir as células malignas pela veia.
A radioterapia, que destrói ou interrompe o crescimento dessas células por meio de raios, é realizada em conjunto. Para ele, foram 21 sessões, um ciclo que terminou no início de 2020.
A busca por um medicamento de alto custo
Sem estar em remissão mesmo após as sessões de quimioterapia e radioterapia, Jorge recebeu indicação médica para usar o medicamento nivolumab (Opdivo), imunoterápico reconhecido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) como opção de tratamento para o linfoma de Hodgkin.
Até o momento, o medicamento ainda não foi incorporado ao SUS (Sistema Único de Saúde) para uso contra o câncer de Jorge, e seu custo para o paciente, segundo orçamentos aos quais o Viva Bem teve acesso, pode chegar a R$ 50 mil para o número de ciclos necessários para um mês.
Sem condições financeiras para comprar o medicamento, em março de 2022, Jorge iniciou os procedimentos para ter acesso ao medicamento na Justiça Federal de Alagoas. A decisão do tribunal foi favorável, mas ele informa que ainda demorou para obter uma previsão de recebimento do medicamento.
“Depois de seis meses de tramitação e decisão judicial que me concedeu proteção antecipada para o acesso ao medicamento, me deparei com Ebserh, administrador do HUPAA-UFAL e do Cacon (Centro de Oncologia de Alta Complexidade), dificultando o cumprimento da decisão judicial e causando dano que é imensurável, pois cada dia sem a droga pode causar danos irreparáveis”.
Neste momento, infelizmente, como paciente, tive que incorporar mais uma batalha, desta vez contra a falta de valorização da vida, promovida por uma instituição que deveria cuidar, acolher e proporcionar cura. Além de enfrentar o linfoma, tive que lutar para conseguir o remédio.
Em nota, a Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), respondeu ao Viva Bem sobre o caso. Segundo a empresa, como o HUPAA-UFAL é uma subsidiária da Ebserh e também seu superintendente, embora tenha autoridade para assinar intimações, não tem autonomia para casos como o de Jorge.
“Mesmo assim, para não prejudicar o paciente, o hospital, que é apenas um prestador de serviços e não tem responsabilidade pela gestão do SUS, nem dispõe de recursos para isso, teve que realizar uma licitação utilizando seu recursos próprios que estavam previstos para ações com outros pacientes, já que o indicado não pode receber recursos públicos em sua conta pessoal e CPF”, diz a nota.
“Esse processo já foi concluído e foi emitida uma nota de compromisso e está apenas aguardando o fornecedor entregar o referido medicamento ao Hospital”.
A entrega do medicamento estava prevista para 13 de outubro, mas Jorge ainda não o recebeu. “Ainda estou angustiado esperando que a droga seja entregue”, diz ele. No entanto, o professor fica aliviado ao saber que terá acesso a ela. “A decisão me beneficia com a medicação necessária por seis meses, mas depois de quatro farei exames para que o médico possa avaliar a resposta do meu corpo.”
Quem pode obter medicamentos caros no tribunal?
Como os recursos públicos são limitados, os medicamentos mais incorporados pelo SUS são aqueles que tratam doenças muito comuns, como diabetes, hipertensão e asmabem como as patologias consideradas de tratamento estratégico, como AIDSlepra e tuberculose (que pode infectar outras pessoas).
Para medicamentos de alto custo que já foram incorporados pelo SUS, como é o caso de alguns medicamentos para Parkinsonasma grave e osteoporosepor exemplo, o paciente deve se inscrever em uma “farmácia de alto custo”, com a documentação necessária indicada pelo seu médico.
“A incorporação ao SUS é feita pela Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde], órgão que trabalha em conjunto com o Ministério da Saúde. Eles avaliam as evidências científicas, mas também têm um ponto de vista econômico para julgar se as terapias em questão não poderiam comprometer o orçamento do SUS diante de todos os outros casos de doenças que precisam de assistência”, explica o advogado sanitarista Silvio Guidi, sócio do empresa Vernalha Pereira e que atua no Conselho de Saúde do Estado de São Paulo.
Assim, medicamentos especializados que estão fora do SUS, como os utilizados para o tratamento de muitas doenças raras, requerem um processo de solicitação especial na Justiça.
“A saúde é um direito de todos e um dever do Estado — premissa que está na Constituição Federal. E no caso dos medicamentos de alto custo, no ano passado, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que sempre seria livre para as pessoas provarem que elas, assim como suas famílias, não poderiam arcar com os custos”, diz Guidi.
O tempo e a conclusão do processo, explica o advogado, podem variar de acordo com cada caso, o que pode aumentar a pressão sobre os pacientes e familiares que já estão lidando com uma situação de saúde difícil.
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