Cientistas descobrem mecanismo que pode proteger contra a doença de Crohn

postado em 08/10/2022 06:00

    (crédito: arquivo pessoal)


(crédito: arquivo pessoal)

A doença de Crohn é uma síndrome inflamatória na qual o sistema imunológico ataca o próprio trato gastrointestinal. As verdadeiras causas ainda são pouco conhecidas pela ciência. Pesquisadores da Universidade de Nova York, nos Estados Unidos, deram um passo importante para desvendar esse mistério. Eles descobriram um mecanismo que pode ser uma proteção natural contra a doença. O trabalho, detalhado esta semana na revista Nature, abre novos caminhos para pesquisas sobre o tratamento e prevenção da doença.

Estudos anteriores indicaram que uma mutação genética relativamente comum – presente em metade dos americanos, por exemplo – está presente na maioria dos pacientes. A pergunta a ser respondida, porém, é: por que algumas pessoas com a alteração do DNA têm doença de Crohn, enquanto outras não? A discussão gira em torno de diversos estímulos, como fatores ambientais – decorrentes de hábitos alimentares e alterações na microbiota intestinal – e infecções no intestino causadas por vírus e bactérias.

Investigando fatores ambientais, a equipe norte-americana descobriu que um dos vários desencadeadores da doença pode estar relacionado ao norovírus – responsável por causar diarreia, vômito, dor de estômago e outros problemas gastrointestinais em indivíduos infectados. Supõe-se que a infecção com este vírus comum bloqueia a secreção de células inibidoras de apoptose-cinco (API5).

Bernardo Martins, gastroenterologista do Hospital Santa Lúcia, unidade de Brasília, explica que o sistema imunológico é aprimorado para que, quando exposto a patógenos, comece a atacá-los. Uma das “armas” são os linfócitos, que secretam proteínas inibidoras da apoptose. “A apoptose nada mais é do que a destruição das células, um fenômeno da resposta imune”, explica.

No caso da doença de Crohn, os pacientes têm uma suscetibilidade genética de ter uma alteração no controle da apoptose e, quando entram em contato com o vírus, há a perda desse controle. “O trabalho mostrou que seria uma combinação entre a predisposição genética e o fator ambiental, que, neste caso, foi o contato com o norovírus”, diz Bernardo Martins.

O coautor do estudo, Ken Cadwell, observa que a pesquisa forneceu informações inovadoras sobre como as células T, um tipo de linfócito, protegem o revestimento do intestino, que eles acreditam ser importantes na prevenção da doença de Crohn. “Descobrimos que as células T produzem uma molécula chamada API5, e que os desencadeantes de doenças infecciosas podem interferir na produção dessa molécula”, conclui.

experimentos

Para chegar à conclusão, a equipe analisou camundongos e tecido intestinal humano. Na primeira fase, as cobaias foram injetadas com API5 e todas sobreviveram. Metade do grupo controle, não submetido à intervenção experimental, faleceu. Em estudos de amostras humanas, descobriu-se que pessoas com doença de Crohn tinham entre cinco e 10 vezes menos células T produtoras de API5 no intestino em comparação com aquelas sem a doença.

A hipótese é que a proteína atue como uma barreira extra de proteção contra esse dano, o que garantiria que mesmo aqueles com a mutação da doença de Crohn tivessem um intestino saudável. “Se você tem um inibidor de apoptose, você tem algo que inibe a destruição das células. Então, é um mecanismo de proteção”, diz Martins.

Em outro conjunto de experimentos, os pesquisadores criaram “mini-intestino” com tecido coletado de humanos que testaram positivo para a mutação. A aplicação de API5 nesses pequenos órgãos protegeu as células do revestimento intestinal, abrindo uma nova possibilidade de intervenção. “Entender como a API5 funciona pode nos ajudar a desenvolver essa molécula, inclusive como alvo terapêutico”, diz Cadwell. “Ao contrário da maioria das terapias para esta doença, que suprime o sistema imunológico, acreditamos que temos uma maneira de proteger o revestimento do intestino”.

O coloproctologista Bruno Augusto Alves Martins, membro da Sociedade Brasileira de Coloproctologia, destaca que o estudo é inovador ao apontar o mecanismo exato pelo qual o vírus faz com que a doença se precipite. “Se eu conseguir chegar a um ponto específico que desencadeia a doença, posso atacar esse ponto e gerar uma terapia direcionada”, explica.

Segundo Bernardo Martins, hoje é um desafio manter os medicamentos disponíveis funcionando. “Na maioria das vezes, com o tempo, eles perdem a resposta.” A partir disso, é necessário trocar a medicação por um remédio que atue em outro local, no qual a doença esteja ativa. “Há medicamentos que atuam nas células intestinais, outros que atuam apenas nos linfócitos, por exemplo”, ilustra o gastroenterologista. “Portanto, quanto mais mecanismos de controle da doença são desenvolvidos, mais opções terapêuticas são possíveis.”

*Estagiária sob supervisão de Carmen Souza

Risco de sequelas

A doença de Crohn pode afetar qualquer parte do trato gastrointestinal, da boca ao ânus. Os principais sintomas são dor abdominal, diarreia crônica e perda de peso. É comum observar fissuras e úlceras na região perianal – fatores preocupantes quando associados às observações anteriores. A patologia não tem cura, mas é importante realizar o controle para que o paciente não tenha sequelas no intestino.

As principais complicações são as estenoses intestinais – estreitamento do órgão – ou fístulas, que são conexões anormais que se formam entre o intestino e outras partes do corpo. “Pode haver fístulas entre o intestino e a pele, entre o intestino e a bexiga”, explica Bruno Augusto Alves Martins, membro da Sociedade Brasileira de Coloproctologia.

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