O O Brasil, país que já foi exemplo para o mundo em vacinação com o sucesso do PNI (Programa Nacional de Imunizações), caiu do nível devido aos baixos números de cobertura vacinal infantil, que estão em queda desde 2015.
Durante quase meio século de existência, o plano de vacinação foi responsável pela erradicação e controle de uma série de doenças endêmicas, além de aumentar a expectativa de vida dos brasileiros. Em 2020, porém, o país registrou a pior taxa de imunização em mais de 25 anos, o que afetou a vacinação contra doenças como poliomielite, sarampo, caxumba e rubéola.
Neste texto, o nexo apresenta um breve diagnóstico desse problema e traz nove possíveis medidas que podem ajudar a reverter o cenário, conforme análise de três especialistas da área. São eles:
- médico e chefe de Saúde e HIV do Unicef Brasil (Fundo das Nações Unidas para a Infância)
- Nanci Silvainfectologista e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Doenças Infecciosas)
- Ricardo Queiroz Gurgelprofessor de pediatria da Universidade Federal de Sergipe e membro do comitê científico do Departamento de Imunização da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria)
Brasil: do pico à queda das vacinas infantis
Paradoxalmente, a diminuição da cobertura vacinal está relacionada ao sucesso das iniciativas de imunização do país. Houve toda uma geração que não teve que lidar com surtos das doenças que a maioria das vacinas PNI previne. Por isso, muitos pais, mães e responsáveis deixam de vacinar seus filhos. Nanci Silva descreve a situação: “a vacina sofre com o próprio sucesso”.
“As pessoas não veem certas patologias hoje e, por isso, acreditam que elas não existem mais, porém, não as vemos justamente por causa da vacinação. Não vemos poliomielite, sarampo e tétano por causa de três tiros.”
A cobertura para tuberculose e a chamada vacina pentavalente, que cobre infecções como difteria, tétano e coqueluche, entre outras, caiu de 94,9% em 2014 para 69,6% em 2019, segundo levantamento. pesquisa da Folha de S.Paulo dos dados do NIBP.
A partir de 2020, a pandemia de covid-19 impactou a vacinação de rotina, reduzindo significativamente a cobertura vacinal de diversas doenças, que reapareceram ou tiveram seus números agravados pela ausência de doses ou pelo medo das famílias de irem aos postos de saúde nas fases mais críticas do isolamento social.
Outro fator que contribui para o declínio da cobertura vacinal é o aumento dos movimentos antivacinação que, apesar de pequenos no Brasil, mobilizam minorias vocais que espalham teorias da conspiração sobre riscos infundados na imunização de crianças. São movimentos que também se intensificaram durante a pandemia.
Fake news sobre o assunto também impactam na imunização. No caso da vacina MMR – usada contra sarampo, rubéola e caxumba – a divulgação de um estudo do final da década de 1990 ainda hoje é utilizada para vincular o imunizante ao mito de que a vacina causar autismo.
21,1 milhões
do mortes foram evitadas no mundo entre 2000 e 2017 por causa da vacina contra o sarampo, segundo a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde)
A poliomielite, doença grave que causa paralisia, principalmente em crianças, já foi considerada erradicada, mas recentemente voltou a se preocupar com o surgimento de novos casos em todo o mundo e a queda crescente da cobertura vacinal em alguns países.
Desde 1994, a guerra contra a poliomielite era considerada vencida globalmente, e a doença não era mais uma fonte de estresse. No Brasil, a queda na cobertura foi acentuada e colocou o país em alerta.
Na campanha de imunização contra a doença em 2022, o Ministério da Saúde pretende vacinar 95% da população com menos de 5 anos. Mas, até 17 de outubro, apenas 65% das crianças nessa faixa etária haviam tomado as doses – menor adesão em 40 anos.
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Devido a todos os dados apresentados, e sob o risco do retorno de doenças como a poliomielite e os casos de sarampo, que já voltou a circular no Brasil, aumentando ainda mais, é urgente reverter essa situação.
Os especialistas ouvidos pelo nexo destacam que o país pode reverter esse cenário com algumas ações que estão ao alcance dos governos, se houver vontade política. Confira abaixo.
Busca ativa e trabalho intersetorial
Uma das formas de ampliar a vacinação é por meio pesquisa ativa das famílias para atualizar a cartilha infantil. “Você tem que ir onde as pessoas estão”, diz Nanci Silva. Para isso, diz ela, é fundamental ter agentes comunitários de saúde focados nisso. A estratégia dessa busca planejada e direcionada, por meio de ligações telefônicas ou visitas domiciliares, pode ser realizada em conjunto com assistentes sociais, a partir do cadastro da família no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social).
A atuação desses profissionais, que integram o PACS (Programa de Agentes Comunitários de Saúde), é fundamental, pois os agentes selecionados fazem parte das comunidades locais, o que permite a criação e o fortalecimento de vínculos com a população a ser atendida. São acompanhados e orientados por enfermeiros e supervisores lotados nas UBS (Unidades Básicas de Saúde).
Cristina Albuquerque ressalta a importância de os agentes de saúde trabalharem “junto com a educação infantil”. “Algumas unidades da federação estão ampliando esse modelo. A equipe de saúde vai à escola conversar, conversa com os pais, marca um dia e vacina as crianças”, conta. Ela cita uma experiência de busca ativa do sucesso que a Unicef fez recentemente em creches de Campina Grande, na Paraíba.
Uma grande campanha nacional
É consenso entre os profissionais consultados pela Nexo que uma campanha nacional coordenada de vacinação é essencial. Ricardo Queiroz Gurgel diz que o governo federal é o protagonista dessa história, mas que os órgãos estaduais e municipais também precisam demonstrar que a vacina é prioridade.
O Ministério da Saúde, ele acredita, deve conversar com o Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde) e Conasems (Conselho de Secretários Municipais de Saúde) “para chegar aos municípios sobre a prioridade da vacina”. “O custo-benefício da vacinação é fundamental, excelente. O que é gasto em vacinas é economizado depois com o tratamento de doenças”, conclui.
Esforços e ampliação da jornada de trabalho nos postos
Organizar mutirões e estender o horário de atendimento aos usuários do sistema público de saúde são duas táticas citadas como eficazes por especialistas.
“As pessoas trabalham o dia todo, saem de casa cedo, voltam tarde e não podem acessar os centros de saúde. Por isso, precisamos ampliar o horário, abrir aos sábados, aos domingos, ampliar o horário de atendimento uma vez por semana, organizar mutirões para que todos tenham acesso e, claro, informações, principalmente quanto à importância e segurança das vacinas”, aponta. fora Silva.
Oportunidade de vacina
Uma medida importante mencionada por Gurgel é a chamada oportunidade vacinal, que consiste em aproveitar qualquer ida – de famílias e crianças – ao médico ou posto de saúde para atualizar a carteira de vacinação.
“Essa estratégia deveria ser uma política pública, uma diretriz: toda pessoa que procurasse o serviço de saúde, antes de fazer qualquer coisa, como consultas e exames, teria o calendário [vacinal] atualizado se estiver vencido”. A medida, segundo especialistas, visa otimizar o tempo do cidadão e economizar o gasto de uma passagem extra com transporte público.
O poder da informação
“A vacina não pode ser uma questão de crença porque é uma questão de ciência. Por isso, é necessário informar a população sobre a eficácia e importância das vacinas, seja no rádio, na TV, na internet, nas universidades, nas escolas e até nos templos religiosos. Ou seja, as informações devem estar em todos os locais onde houver [a audiência do] pessoas”, alerta Nanci Silva.
“Só se ganha com a desinformação informando”, acrescenta Cristina Albuquerque, que destaca ainda que, além de ensinar sobre a relevância das vacinas, é urgente explicar como funciona o calendário vacinal completo.
“Não adianta tomar uma dose e não voltar para a segunda, terceira ou reforço, por exemplo. Ela tem que saber que, para estar protegida, precisa passar por todo o ciclo, retornando à unidade de saúde no prazo indicado”, diz.
Comunicação direta e clara
E como informar corretamente? “A comunicação tem que ser massiva, motivadora, educativa e chamada à ação. Já vi cartões fofos nas redes sociais, com ilustrações de personagens famosos, mas com as palavras ‘xô, sarampo’. O que isso realmente significa para as famílias?” diz Albuquerque.
Segundo ela, os textos das campanhas devem apresentar a doença, mostrar as possíveis sequelas que aquela doença pode causar e convidar a população a ser vacinada.
Capacitação para profissionais de saúde
Como grande parte da população, muitos estudantes de saúde, médicos e enfermeiros não viram a poliomielite e o sarampo circularem, como acontecia nas décadas de 1950 e 1960. Por isso, os especialistas consultados pela Nexo dizem que essas memórias devem ser revividas. .
“Infelizmente, vários profissionais não recomendam vacinas por falta de informação e baixa percepção de risco. Não acredito que seja uma questão intencional, ideológica, acho que é pura falta de informação. Por que vacinar uma criança contra a poliomielite se não temos um caso no país há 33 anos?” pergunta a infectologista Nanci Silva.
Para Cristina Albuquerque, a medicina foca cada vez mais no tratamento e na cura, deixando a prevenção um pouco de lado. “Então, tem que haver uma conscientização desses jovens profissionais. A Sociedade Brasileira de Imunizações e a Sociedade Brasileira de Pediatria já estão fazendo isso. Precisamos chamar os responsáveis para prestar contas. Outro ponto importante é que as famílias confiam nos profissionais de saúde, por isso eles têm um papel fundamental na comunicação com essa comunidade”.
Convocar celebridades e líderes locais
Artistas, influenciadores digitais, atletas, líderes comunitários. Todos esses atores da sociedade podem ajudar a reformular o Programa Nacional de Imunizações. “É extremamente representativo que pessoas com poder midiático, como jogadores de futebol, falem sobre a importância da vacinação”, diz Silva.
Cristina Albuquerque lembra que os líderes religiosos também são importantes na luta pela conscientização. “A palavra de um padre ou de um pastor tem muito poder. Basta qualificá-los com respeito à mensagem. Não importa o tamanho da cidade, ela tem lideranças locais, e essas pessoas têm que se unir em prol da vacina. Vivemos uma emergência de saúde pública não declarada. E é obrigação da sociedade, das famílias, dos profissionais de saúde, do governo, do setor privado ajudar no resgate da vacinação generalizada”, enumera.
Onde está Zé Gotinha?
Criado em 1986, o personagem carismático em forma de gotícula tornou-se, desde então, o garoto-propaganda de todas as campanhas de vacinação no Brasil e contribuiu para a popularização do Programa Nacional de Imunizações. Para Ricardo Queiroz Gurgel, resgatar – apresentando às novas gerações – a figura “amigável e querida” do mascote pode ajudar na necessária retomada do PNI.
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