entender os benefícios da prática para o autismo

“Ele entra na sala e o musicoterapeuta o cumprimenta. Aí está o lugar onde estão os instrumentos e os brinquedos. Ele escolhe com que tipo trabalhar. Se ele escolhe instrumentos, eles cantam canções que fazem o som da chuva, das ondas do mar. Se ele pede o brinquedo, eles brincam com fantoches para estimular a conversa entre os animais.”

É para falar dos resultados que o terapia musical trouxe para o filho Paulo Roberto, de 6 anos, que Viviane Marques, moradora de Passos (MG), descreve em uma das sessões de terapia da criança. Paulo Roberto tem autismo e tinha dificuldade para falar. Depois de seis meses em musicoterapia, ele desenvolveu a fala, ficou menos agitado e aprendeu a socializar mais.

Segundo a coordenadora do curso de musicoterapia da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mayara Ribeiro, a musicoterapia pode ajudar pacientes com transtornos como autismo em crianças, condições como Parkinson e Alzheimer e doenças psiquiátricas. A técnica também ajuda, segundo ela, no controle da dor e melhora a resposta a outros tratamentos, além da autoestima.

Felipe, 4 anos, durante sessão de musicoterapia na clínica da FMU: mudanças de comportamento
Felipe, 4 anos, durante sessão de musicoterapia na clínica da FMU: mudanças de comportamento Foto: Werther Santana/Estadão

A musicoterapia é uma prática integrativa que combina arte e medicina. A coordenadora do curso de musicoterapia da FMU, Ana Maria Campos, explica que é “uma intervenção que utiliza corpo, som e música, que ajuda a expressar emoções e sentimentos, na emergência de conteúdos inconscientes e na ativação do cérebro ”. A prática pode ser obtida em hospitais, clínicas e de forma organizacional ou grupal.

Talita Abreu, musicoterapeuta e responsável pelo tratamento de Paulo Roberto, conta que o objetivo, no início do tratamento, é descobrir a identidade sonora do paciente, ou seja, o que ele gosta de ouvir e com o que se identifica. A partir daí, é traçado um plano terapêutico, executado por meio de quatro experiências musicais: escuta, recriação, composição e improvisação.

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Segundo Mayara, a música acessa o sistema límbico dos pacientes, despertando emoções, revisitando memórias e criando sensações de prazer. “É um processo neuroquímico. A música é capaz de atuar no sistema nervoso simpático e parassimpático e reduzir, por exemplo, a sensação de ansiedade. Há estudos que indicam que a música contribui para a produção de ocitocina”, completa.

Musicoterapia: usos também em câncer, Alzheimer e outras doenças

Katiane Santos, mãe de Felipe Souza Santos, também autista, conta que o filho teve alguma melhora após frequentar sessões de musicoterapia na clínica da FMU há dois anos. Aos 4 anos, ele não fala, mas começou a olhar nos olhos e interagir melhor com outras crianças. “No primeiro dia que entrei na sala, vi que o musicoterapeuta começou a imitar o Felipe para chamar a atenção dele. Então, do nada, ele deitou no colo dela. Eu não podia acreditar, porque até então ele nem fazia isso com a minha família”, diz ela.

Mãe de 12 anos de Bruno diz que notou evolução autista do filho após iniciar terapia
Mãe de 12 anos de Bruno diz que notou evolução autista do filho após iniciar terapia Foto: Werther Santana/Estadão

De acordo com um estudo publicado em Biblioteca Nacional de Medicina, a musicoterapia tem mostrado resultados na melhora do quadro clínico de pacientes com câncer – redução da dor, redução do número de medicamentos e fadiga, melhorando a resposta ao tratamento. Mayara conta sua experiência de pesquisa com mulheres com câncer de mama.

“Nesse contexto, fortalece a pessoa para participar do tratamento e aderir a ele, reconhecendo essa nova identidade e ajudando a transformar esse processo.”

A musicoterapia também pode ser usada para estimular a memória e a resistência neurológica em pacientes com doenças degenerativas, como Parkinson e Alzheimer.

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“Tenho vários casos de melhora”, diz a musicoterapeuta Talita. “Idosos que, no hospital, aceitaram enfrentar a doença, conseguiram se despedir dedicando uma música à família, outros puderam falar sobre a doença, sobre suas tristezas e medos”, revela. De acordo com o estudo americano Music-instruction intervention for treatment of post-traumatic stress disorder: a randomizado pilot study on post-traumatic stress, musicoterapia também se mostrou eficaz nestes casos.

Mayara explica que a prática é eficiente para ajudar pacientes com diferentes doenças psiquiátricas, pois as músicas provocam emoções e, por meio delas, é possível acessar parte do subconsciente dos pacientes. “É possível levar o paciente a lugares e memórias traumáticas e tentar ressignificar aquele momento.”

Aprendendo com diversão para as crianças

Um dos principais recursos da musicoterapia é ajudar crianças com autismo e Síndrome de Down. A prática também pode ser realizada em adultos, mas apresenta mais resultados em crianças em fase de aprendizagem. É o caso de Paulo Roberto, que hoje frequenta a escola regular, convive e brinca com outras crianças.

“Fiquei muito satisfeita com o tratamento. Já havíamos passado um ano e meio em terapias convencionais e não havia muito resultado”, conta Viviane. Também autista, Bruno Gomes de Lima, 12 anos, frequenta as sessões de musicoterapia na clínica da FMU há quatro anos. “Ele adora música, gosta de cantar. Ele toca violão, toca teclado e se acalma se estiver nervoso. No dia em que não vamos, ele sente falta”, conta a mãe, Josefa Gomes.

Com microcefalia e deficiência intelectual, Ana Clara da Silva, 12 anos, faz musicoterapia há quatro anos no ambulatório da UMF. Sua mãe, Erisvania Nascimento, relata melhoras. “Ela presta mais atenção, está desenvolvendo a fala, consegue focar nos jogos”, diz. “Ela gosta muito.”

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Ana Clara, que tem microcefalia: segundo a mãe, adora sessões de musicoterapia
Ana Clara, que tem microcefalia: segundo a mãe, adora sessões de musicoterapia

Apesar dos benefícios relatados por profissionais e pacientes, musicoterapia ainda não é regulamentada como profissão no Brasil. “Muitos médicos acreditam no trabalho e encaminham pacientes para tratamento, e muitos planos de saúde já cobrem”, diz.

A musicoterapia, juntamente com outras práticas integrativas (chamadas PICs) – como ioga, acupuntura e homeopatia – estão integradas ao Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2006. Dados de 2019 do Ministério da Saúde mostram que as práticas são oferecidas em 17.335 serviços serviços de saúde em 4.297 municípios do país e em todas as capitais. No mesmo ano, um levantamento parcial indicou que 25.815 pessoas foram beneficiadas por sessões de musicoterapia pelo SUS. Em São Paulo, o site da prefeitura lista de emissoras que oferecem serviços de PIC, por região: tinyurl.com/pics-sp.

Quanto custa uma sessão de musicoterapia?

O preço da sessão individual de musicoterapia pode variar de R$ 150 a R$ 350. Na clínica-escola da FMU, em São Paulo, os alunos de graduação atendem a população por uma taxa simbólica de R$ 40.

Segundo Ana Maria, há fila para os interessados ​​terem acesso ao tratamento na unidade. “São os alunos estagiários que atendem, supervisionados semanalmente por um professor qualificado”, explica. Ana Clara, Bruno e Felipe, que frequentam a clínica, não demoraram a fazer terapia. O tempo máximo de espera foi de três meses.

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