Certas condições médicas ou lesões externas podem causar o que chamamos de esofagite aguda. Nos pacientes que apresentam essa condição, os principais sintomas incluem dor torácica, odinofagia, disfagia, sangramento gastrointestinal superior e até perfuração esofágica. Neste artigo, abordaremos alguns tipos de esofagite aguda, seu reconhecimento e tratamento.
- Esofagite medicamentosa;
- Esofagite cáustica;
- esofagite actínica;
- Esofagite pós-escleroterapia;
- Esofagite por sonda nasogástrica/nasoentérica;
- Esôfago preto (necrose esofágica aguda).
A esofagite infecciosa também faz parte da esofagite aguda, porém, devido às suas particularidades associadas e diferentes agentes etiológicos, não serão abordadas nesta revisão.
Tipos de esofagite: como identificar?
1. Esofagite medicamentosa
A esofagite medicamentosa não é uma condição comum. No entanto, acredita-se que sua incidência seja subestimada pelos seguintes motivos: existência de outras causas mais comuns e mais graves para os sintomas, como DRGE e doenças cardiovasculares; diversidade de medicamentos que cursam com esofagite medicamentosa vendidos sem receita médica (por exemplo, AINEs); e desconhecimento dessa entidade nosológica.
Os medicamentos podem causar danos ao esôfago devido a alterações sistêmicas e danos diretos à mucosa. É importante ressaltar que a lesão direta da mucosa é a principal responsável pelos sintomas agudos. As principais classes de medicamentos relacionados são os antibióticos (tetraciclinas, doxiciclina e clindamicina), anti-inflamatórios não esteroides e bifosfonatos (alendronato).
As manifestações clínicas típicas são dor retroesternal, odinofagia e disfagia. O início dos sintomas, em geral, ocorre de quatro a seis horas após a ingestão do medicamento, com duração de até uma semana após a descontinuação.
Alguns fatores podem aumentar a toxicidade esofágica da pílula, como: tempo de contato prolongado, revestimento com material gelatinoso, fórmulas de liberação prolongada e dismotilidade esofágica. As lesões esofágicas ocorrem frequentemente em locais de estreitamento do órgão, particularmente na topografia da impressão do arco aórtico.
A endoscopia digestiva alta (EAU) deve ser solicitada na presença de complicações como: sintomas persistentes por mais de uma semana, perda de peso, dor refratária e sangramento gastrointestinal alto. Espera-se encontrar úlceras arredondadas, com bordas planas, que podem ser únicas ou múltiplas, e apresentarem fragmentos do medicamento em seu interior. A esofagite por alendronato é geralmente circunferencial.
O tratamento baseia-se na descontinuação da medicação (quando possível) ou na passagem para a apresentação líquida, quando não for possível descontinuar. Além disso, a dor deve ser controlada e a lesão química do ácido gástrico evitada, usando inibidores da bomba de prótons (IBP), sucralfato e agentes anestésicos tópicos.
A prevenção dessa condição consiste em orientar a ingestão de medicamentos com no mínimo 200-250 ml de água, mantendo-se em posição ortostática por pelo menos 30 minutos, seguido de ingestão alimentar.
2. Esofagite cáustica
É uma preocupação de saúde pública quando substâncias cáusticas são ingeridas acidentalmente ou na tentativa de se matar. Substâncias cáusticas incluem aquelas com pH<2 or >12. A ingestão dessas substâncias alcalinas está mais relacionada ao dano esofágico, enquanto as substâncias ácidas estão mais relacionadas ao dano gastroduodenal.
As manifestações clínicas incluem queimaduras nos lábios e cavidade oral, hipersalivação, disfagia, odinofagia, náuseas, vômitos, dor retroesternal e hematêmese.
A lesão esofágica começa logo após a ingestão, portanto, medidas como lavagem ou indução de vômito são contraindicadas. Fatores como quantidade, pH e forma física da substância interferem na magnitude do dano.
Nos primeiros dez dias de ingestão, o paciente encontra-se na fase aguda da esofagite cáustica, momento em que apresenta mais sintomas inflamatórios. Na fase subaguda (dez dias a duas semanas), ocorre a reepitelização do órgão, levando à melhora dos sintomas. Porém, na fase crônica, após 8 semanas, o paciente pode apresentar disfagia novamente, devido à fibrose do órgão.
Para orientar o tratamento na fase aguda e evitar complicações, é importante o estadiamento da gravidade da lesão cáustica por meio da EDU, que idealmente deve ser realizada entre 6 e 12 horas após a ingestão da substância, até o máximo de 48 horas. O escore endoscópico de Zagar é utilizado, variando de 0-3.
Ausência de achados (Zagar 0), edema e enantema (Zagar 1) e erosões e úlceras superficiais (Zagar 2a) são consideradas formas leves. Nesses casos, o tratamento consiste em dieta líquido-pastosa e uso de protetores gástricos, como sucralfato e IBPs.
Ulcerações profundas ou circunferenciais (Zagar 2b), necrose focal (3a) ou necrose extensa (3b) são achados graves. Nesses casos, está indicada a inserção de sonda nasogástrica, a fim de prevenir a distensão gástrica e reduzir o risco de perfuração esofágica. Na ausência de envolvimento gástrico, este tubo pode ser usado para nutrição.
A principal complicação tardia são as estenoses, que podem ser tratadas com dilatação endoscópica por balão. No geral, a dilatação esofágica nesses casos é um desafio.
3. Esofagite actínica
A esofagite actínica está relacionada ao dano esofágico da radioterapia de tumores esofágicos e adjacentes, como tumores de pulmão, mediastino e cabeça/pescoço. A extensão do órgão irradiado, a concomitância com a quimioterapia, a idade e as doses de radiação são fatores de risco para este tipo de esofagite.
As principais manifestações clínicas incluem: disfagia, odinofagia, dor ou queimação retroesternal. Eles tendem a começar duas a três semanas após o início da radioterapia e melhorar após quatro semanas de interrupção do tratamento.
A UDE deve ser solicitada para avaliação diagnóstica e exclusão de diagnósticos diferenciais. Os achados típicos da esofagite actínica são enantema, exsudato fibrinoso e erosões superficiais.
O tratamento da esofagite actínica aguda inclui analgésicos, anestésicos tópicos, IBPs e orientações dietéticas.
Na fase crônica, quatro a seis meses após o término da radioterapia, alguns pacientes podem apresentar complicações com disfagia, relacionadas à estenose esofágica.
4. Esofagite pós-escleroterapia
A escleroterapia das varizes esofágicas foi, por muito tempo, o tratamento endoscópico mais utilizado para as varizes esofágicas. Atualmente, tem sido substituída pela ligadura elástica em muitos centros, por apresentar menos complicações relacionadas.
A lesão esofágica após a escleroterapia pode ocorrer por dois mecanismos principais: lesão estrutural grosseira e relacionada à alteração da motilidade esofágica.
O quadro clínico apresenta-se com dor retroesternal, odinofagia, disfagia e hemorragia digestiva alta. Os achados endoscópicos variam de úlceras próximas ao local da injeção a hematomas intramurais, estenoses e perfuração esofágica.
A prevenção de estenoses pós-escleroterapia é feita com sucralfato isolado ou associado à supressão ácida.
5. Esofagite por sonda nasogástrica/nasoentérica
O uso de sondas nasogástricas ou nasoentéricas está associado a lesão e estenose esofágica, provavelmente relacionada ao aumento da exposição ácida esofágica. Assim, o uso de IBPs reduziu a chance dessa complicação, menos observada na prática clínica.
Além disso, pode haver lesões esofágicas relacionadas ao trauma pelo uso desses dispositivos.
6. Esôfago preto – necrose esofágica aguda
É uma condição rara, que predomina no sexo masculino, acometendo principalmente indivíduos na 6ª década de vida, que apresentam múltiplas comorbidades, estão gravemente doentes ou desnutridos.
É decorrente de isquemia esofágica relacionada a situações de hipoperfusão em pacientes críticos e aumento do refluxo gastroesofágico devido à gastroparesia nesses pacientes. As situações de risco são: sepse, disfunção de múltiplos órgãos, pós-operatório, tromboembolismo e malignidade.
O quadro clínico manifesta-se por hemorragia digestiva, sepse, mediastinite, estenose do esôfago distal, podendo também ser complicado por infecções bacterianas, virais (herpes e CMV) e fúngicas (cândida).
A UDE revela mucosa enegrecida, com envolvimento circunferencial predominante do esôfago distal, poupando o JEG.
O tratamento engloba analgesia, estabilização hemodinâmica, controle da doença de base e tratamento da infecção (quando presente). Na fase de recuperação, recomenda-se a supressão de ácido e sucralfato. A cirurgia é o tratamento de escolha nos casos de perfuração, abscessos e mediastinite.
Mensagem final
A esofagite aguda tem um quadro clínico semelhante. No entanto, algumas formas são mais graves, como a necrose esofágica aguda. O conhecimento dos fatores etiológicos da esofagite aguda permite o reconhecimento precoce e o manejo adequado.
Na prática de urgência e emergência, destacam-se: a esofagite medicamentosa como importante diagnóstico diferencial na dor torácica; e a necessária atenção da endoscopia precoce na ingestão de lesão cáustica. Na prática de terapia intensiva, destaca-se o lembrete da potencial complicação do esôfago negro em pacientes críticos com mediastinite e sangramento gastrointestinal.
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