Quase a completar o seu primeiro ano como director desportivo do PAOK, José Boto dá entrevista ao mais futebol. Aproveitando uma curta viagem a Portugal, o treinador português faz um balanço dos trabalhos em Salónica, fala sobre os vários portugueses que jogam no clube e olha também para a Liga portuguesa.
Neste excerto aqui apresentado, Boto fala sobre os convites que tem recebido ao longo dos últimos anos, é questionado sobre a possibilidade de regressar a Portugal em breve, e ainda analisa a edição 2022/23 da Liga Portuguesa.
MF: Você falou sobre a possibilidade de ir para o Flamengo no meio do ano? Houve conversas nesse sentido?
JB: O que aprendi, aprendi com a imprensa. Eu tenho um cartaz no Brasil, ao longo dos meus anos no Shakhtar, recrutando jovens lá, alguns sem jogar na Série A, e depois aparecendo na Liga dos Campeões. Alguns para chegar à seleção brasileira, embora já tivessem histórico nas categorias de base. Isso abriu um mercado para mim no Brasil. Isso os fez olhar para mim como alguém que via além do que viam lá. Jogadores que não jogaram pelo Grêmio, como Tetê, ou At. O Paranaense, como o Marcos Antônio, que nem jogou na Série A, e depois passa a jogar a Liga dos Campeões em alto nível. Isso abriu algumas portas para mim, incluindo a imprensa. E toda vez que eles precisam de alguém para pensar um pouco sobre futebol, é normal que até os torcedores ou a imprensa falem de mim.
MF: Você também foi abordado algumas vezes para um retorno a Portugal. Isso está no horizonte próximo? Poderia ser uma realidade?
J.B.: Sim. Como todos os portugueses… temos este espírito emigrante, mas gostamos sempre de regressar à nossa terra. Mais ano, menos ano, penso nisso, no regresso a Portugal. E mais do que pensar em questões financeiras, o projeto que tem a minha cara vai pesar. E isso pode acontecer nos próximos anos.
MF: Tem acompanhado a Liga Portuguesa? O que se destaca?
JB: Eu sigo quase todas as ligas boas, e a nossa é boa, e é nossa. Fiquei especialmente curioso com a chegada de um técnico estrangeiro em um grande clube. Um treinador que eu já conhecia bem, com ideias completamente diferentes, e ver como ficou. É bom ver este Benfica, pelo menos até agora. É excelente para o futebol português. Realmente temos uma ideia – errada para o desenvolvimento dos nossos treinadores e do nosso futebol – de que não temos nada a aprender com os estrangeiros. Mas gostamos de ir ao exterior e mostrar nosso trabalho. A influência de Schmidt tem sido excelente, porque ele tem novas ideias, coisas novas em nível tático. A longo prazo, isso irá evoluir o futebol português e a capacidade dos treinadores portugueses. Não devemos ter medo de abrir nossas portas para pessoas de fora. Que, a forma como o Benfica joga, como se tem apresentado na Liga e na Champions, é excelente para o Benfica e para o futebol português. Não podemos cometer o erro de pensar que somos os melhores e que não temos nada a aprender com os outros. Como no Brasil com treinadores portugueses. Somos muito bons, mas sempre temos algo a aprender e a beber dos outros.
MF: Você já era um admirador de Roger Schmidt, então?
JB: Sim, especialmente seus dias no Bayer Leverkusen. Pressão alta, especialmente. No PSV também. No Benfica, algumas coisas mudaram um pouco, para melhor, pelas características dos jogadores. Dê um pouco mais de pausa. No Leverkusen e no PSV ele pressionou muito, muitas vezes assumiu riscos desnecessários. Aqui está um pouco mais de pausa, mantenha a bola mais. Foi muita vertigem quando eles pegaram a bola de volta, e agora eles têm um pouco mais de pausa. Tem a ver com jogadores como João Mário, Enzo, o próprio Neres. Isso demonstra grande inteligência de sua parte. Talvez seja o melhor time de Roger Schmit, desde que eu o siga.
MF: Um dos destaques foi o Enzo. Era o médio de que o Benfica precisava há alguns anos?
JB: Talvez. Mas isso depende muito das ideias do treinador. Do lado de fora, sempre achamos que aquele jogador se encaixava ali. Ele é um jogador com grande talento e características. Infelizmente não me parece que dure muito, como é natural em Portugal. É também isso que torna os clubes portugueses tão bem sucedidos. Eles antecipam, pegam primeiro, depois vendem. Isso também explica o sucesso de Portugal. Mas se era o médio de que o Benfica precisava há alguns anos… depende da adequação às ideias do treinador. Talvez com outro treinador ele não tivesse o sucesso que está tendo com este.
MF: E como viu a afirmação do António Silva?
JB: Quando saí do Benfica ele ainda tinha 13 anos (risos). É uma surpresa, eu não o conhecia bem. Sua maturidade é surpreendente. Também temos um garoto da mesma idade, Konstantinos Koulierakis, jogando desde o início da temporada. Um defesa-central canhoto, que na minha opinião não tem nada a ver com António. Talvez até um pouco mais rápido. Isso prova que quando os treinadores têm coragem e só olham para a qualidade, a idade não importa. Fico sempre feliz com isso, quando alguém não olha para a carteira de identidade. E fico feliz por ter alguém no meu time já despertando a curiosidade dos grandes clubes europeus. O nosso guarda-redes (Dr. Dominik Kotarski, croata, 22 anos) já está a despertar muita curiosidade. Neste jogo com o Olympioakos houve muitos olheiros, o que até foi comentado, porque na Grécia não se aposta muito nos jovens, e é por isso que a Liga não atrai tantos olheiros. Temos cinco jogadores com menos de 22 anos. Isso causa mais fluxo de olheiros em nossos jogos.
MF: E, voltando à Liga, o que diz do FC Porto e do Sporting?
JB: O FC Porto surpreende sempre com a sua capacidade de se reinventar. Perdem jogadores importantes, como Vitinha e Fábio Vieira, e aí parece que é aqui que vão cair, mas não. Crédito total para Sérgio Conceição, que sempre consegue encontrar soluções para a equipe se manter competitiva. Começou mal na Liga dos Campeões, mas a forma como jogou com o Leverkusen, por exemplo, mostra que ainda vai dar mais do que está a dar. Embora muita gente pensasse que o FC Porto poderia estar mais fraco, pelas perdas que teve. Sérgio mostrou que sempre pode encontrar soluções para amenizar essa situação, o que também diz muito sobre sua qualidade como treinador. Sporting não tenho visto muito, confesso. Acompanho mais pelo que leio do que por assistir aos jogos. Não me sinto tão à vontade para falar. Mas digo que muitas vezes subestimamos algo no futebol. Queremos uma explicação para tudo, mas subestimamos o fator sorte. Talvez Ruben tenha tido sorte naquele primeiro ano, em jogos em que as coisas não estavam indo tão bem, e depois Coates marcou… Talvez agora, mais do que a falta de certos jogadores, ou Ruben não teria encontrado a melhor maneira de montar o equipe, talvez tenha faltado um pouco de sorte.
MF: E mais algum destaque, entre as outras equipes?
JB: Não posso falar dos menos conhecidos, porque pode haver algo lá que me interesse (risos). Dos mais conhecidos, como não são para a bolsa PAOK, posso falar. Gosto muito da Vitinha do Sp. Braga, que tem uma equipe muito interessante, um projeto muito interessante. O Famalicão tem sempre jogadores muito interessantes, apesar de não estar a fazer um campeonato muito bom.
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