As taxas de adesão à imunização contra o HPV caíram 72% e 52% para meninas e meninos, respectivamente, desde o início da vacinação no Brasil
A cura definitiva para qualquer tipo de câncer ainda é um sonho para a Ciência. Mas já existem maneiras eficazes de preveni-lo? uma das ferramentas importantes para isso, a vacina contra o vírus HPV, que está disponível em todo o Brasil e contribui para a prevenção de pelo menos seis tipos de câncer, tem pouca adesão no país.
Disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para meninas desde janeiro de 2014 e para meninos desde 2017, a vacina vem apresentando declínios na adesão desde o segundo ano de sua implementação no Plano Nacional de Imunizações (PNI).
Dados coletados pelo Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) no DataSUS, do Ministério da Saúde, indicam que 72% menos meninas e 52% menos meninos foram imunizados após o primeiro ano de vacinação no Brasil (entre 2015 e 2021 e 2018 e 2021, respectivamente).
A imunização de ambos os sexos é necessária para quebrar a cadeia de transmissão do papilomavírus humano (HPV), fator de risco para o desenvolvimento de câncer de pênis, vulva, vagina, reto e cabeça e pescoço (orofaringe/garganta) e, principalmente, do colo do útero.
Com acesso à vacina contra o HPV e Papanicolau, considerado o principal exame preventivo, o câncer do colo do útero pode ser erradicado do país, já que países como Canadá e Austrália estão a caminho.
“Dependendo do tipo de HPV, o vírus pode representar baixo ou alto risco de evoluir para câncer. Hoje, a vacina é quadrivalente e protege contra os quatro tipos de vírus mais frequentes”, explica a oncologista clínica Andréa Gadêlha Guimarães, coordenadora do advocacia do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) e médico chefe do ACCamargo Cancer Center.
Além de meninos e meninas, o Ministério da Saúde ampliou a campanha de vacinação para homens e mulheres imunossuprimidos, de 9 a 45 anos, vivendo com HIV/AIDS, transplantados de órgãos sólidos ou medula óssea e pacientes com câncer.
Quem não faz parte do público-alvo, mas sabe que não foi imunizado na infância ou adolescência, pode receber a vacina na rede privada, dependendo de uma avaliação médica que conclua que a pessoa pode se beneficiar.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que existam de 9 a 10 milhões de pessoas infectadas por esse vírus no Brasil e que, a cada ano, ocorram 700 mil novos casos de infecção.
Mas se a vacinação é importante para doenças tão graves como o câncer, por que as famílias brasileiras não levam suas crianças e adolescentes para receber as doses?
Razões para a baixa adesão à vacina contra o HPV
Falta de conhecimento da gravidade das doenças
Na avaliação de Guimarães, parte da população brasileira estava perdendo a percepção da importância das vacinas ao longo do tempo, o que se agravou durante a pandemia.
Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), acrescenta: “É uma frase clichê entre os médicos, mas dizemos que as vacinas são vítimas do próprio sucesso. À medida que as doenças são erradicadas ou se tornam raras, a população perde a percepção de risco. O sarampo está aí para provar que os surtos podem ocorrer graças à não adesão”.
“Também temos longas filas quando há surtos muito fortes – gripe pandêmica H1N1, covid-19… Quando a situação está equilibrada, as pessoas esquecem da doença. de alta cobertura vacinal.”
No caso da vacinação para meninas, que teve início em 2014, as doses foram administradas no ambiente escolar, e a primeira dose teve 92% de adesão na época.
“Aí, na segunda dose, já caiu muito, mas quando passou para o ambiente dos postos de saúde, no ano seguinte, caiu ainda mais”, diz Guimarães, explicando que, para o público jovem, levar a imunização para é considerada uma boa estratégia para aumentar a adesão, mas requer um forte planejamento logístico.
A estratégia já foi adotada novamente em algumas partes do país. Na cidade de Campinas, no interior de São Paulo, por exemplo, a escola Tenista Maria Esther Andion Bueno, foi ponto de vacinação para alunos de 9 a 14 anos no dia 7 de outubro.
Falta de correlação do HPV com diferentes tipos de câncer
Muitas das vacinas acabam sendo vistas como opcionais pela população, sem um olhar atento aos seus reais benefícios.
“Não é do conhecimento da população em geral que esta é uma vacina que pode ajudar a prevenir cânceres e gratuita”, aponta Andréa Gadêlha Guimarães.
Fatores culturais e religiosos
“Algumas pessoas, principalmente aquelas com princípios religiosos mais conservadores, acreditam que dar a vacina pode ser um estímulo para a atividade sexual precoce. É um grande erro. Embora o HPV seja um vírus sexualmente transmissível, essa correlação não existe. A hepatite B também pode ser transmitido sexualmente e é administrado na maternidade”, explica o oncologista.
Um estudo publicado na Jama Internal Medicine em 2015 corrobora isso. Após analisar dados de milhares de mulheres jovens dentro da faixa etária recomendada para imunização, os pesquisadores concluíram que a vacina contra o HPV não leva as adolescentes a adotar comportamentos sexuais precoces ou de risco, nem aumenta os índices de doenças sexualmente transmissíveis.
“A recomendação de vacinar crianças e jovens é feita justamente porque, nessa idade, eles ainda não foram expostos ao vírus, o que aumenta a capacidade de criar anticorpos. [depois do início da vida sexual]pode trazer um benefício menor”, aponta Mônica Levi.
desinformação
“Supostos eventos adversos graves sobre as vacinas, não apenas a que combate o HPV, são divulgados com frequência. Mas a informação é falsa. Os efeitos adversos são leves, relacionados ao local de aplicação, como vermelhidão e dor local”, diz Guimarães.
Os efeitos disso são uma população confusa e desconfiada nas vacinas. “Para os meninos, apenas 37% da população-alvo tomou duas doses. É muito pouco, um desperdício de investimento em saúde pública. mais fácil para ela correr o risco da doença, que ela acha que não chegará ao filho, do que arriscar um suposto efeito colateral gravíssimo logo após a vacinação. causando hesitação.”
Os especialistas explicam que a vacina é feita com um vírus inativado, ou seja, não contém o DNA do vírus, apenas proteínas do capsídeo viral (envelope do vírus), que não é capaz de produzir a doença no corpo humano.
“A vigilância dessa vacina é uma das melhores que já foi feita. Temos uma mídia poluída com informações falsas que deixam as pessoas com medo, e os adolescentes, que não necessariamente entendem a importância, também são alvo dessas fake news” , diz o diretor da SBIm.
Em sua avaliação, as campanhas de comunicação do Ministério da Saúde atualmente são terríveis. “Já fomos um exemplo mundial de como se comunicar e agora somos tão ruins quanto outros lugares com má cobertura vacinal. O próprio Ministério da Saúde reconhece a necessidade de combater as fake news.”
dificuldades logísticas
Há também questões relacionadas a estratégias, como postos de saúde abertos apenas em horário comercial e pais, mães e outros familiares impossibilitados de levar a criança ou jovem por motivo de trabalho. “Isso já está sendo entendido pelo PNI como uma barreira, e é mais fácil de se locomover. Alguns locais já começaram a oferecer horários aos sábados e domingos, por exemplo”, diz Levi.
Além disso, o especialista avalia que a oferta de dados do Ministério da Saúde deixa a desejar, o que pode dificultar as campanhas e a atualização dos números imunizados.
“Alguns postos de saúde têm internet precária, sistema manual ou digitalizado, mas antigo, além de erros humanos. “
– Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62972110
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