SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em agosto de 2017, a Folha de S.Paulo noticiou a liberação de milhões de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia no Rio de Janeiro como forma de tentar reduzir a transmissão de doenças na cidade. Agora, um artigo publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases mostra que a iniciativa surtiu efeito. Segundo os pesquisadores, a liberação de insetos está associada a uma redução média de 38% na incidência de dengue e 10% na incidência de chikungunya.
De agosto de 2017 a dezembro de 2019, foram liberados 67 milhões de mosquitos infectados com Wolbachia em 28.489 localidades, abrangendo uma área de 86,8 km² na capital paulista, onde vivem cerca de 890 mil pessoas. A soltura foi feita a cada 50 metros, com cerca de 100 mosquitos infectados em cada uma das 658.179 solturas.
Durante e após o período de soltura, a equipe do projeto colocou 1.168 armadilhas nas zonas de lançamento e verificou quantos Aedes aegypti capturados tinham a bactéria. Aproximadamente 33,8% dos insetos coletados entre 1 e 29 meses após a liberação inicial testaram positivo para o microrganismo.
Os pesquisadores cruzaram as informações de soltura e captura com o registro geográfico detalhado dos casos de dengue e chikungunya na cidade antes, durante e após as solturas e aplicaram modelos matemáticos para relacionar casos e locais, conseguindo assim estimar os efeitos do projeto.
Eles observaram que os mosquitos Wolbachia não se estabeleceram uniformemente em todas as cinco zonas de liberação e isso influenciou a incidência da doença. Nos locais onde a prevalência de mosquitos com Wolbachia na população de Aedes aegypti foi menor ou igual a 10%, a redução foi de 7% na incidência de dengue e 2% na incidência de chikungunya, enquanto naqueles com prevalência maior que 60% a queda nos casos da doença foi de 71% e 23% respectivamente. Em outras palavras, quanto maior a prevalência, maior a proteção.
Os cientistas não sabem, porém, por que o estabelecimento dos mosquitos ocorreu de forma diferente e por que os efeitos foram melhores nos casos de dengue do que nos casos de chikungunya. Esses aspectos devem continuar a ser investigados.
“Estamos muito satisfeitos com o resultado. Nossos parceiros do Rio de Janeiro compartilharam os dados de geolocalização de arbovírus com pesquisadores da Universidade de Cambridge e conseguiram realizar análises robustas de clima, temperatura, geolocalização e intervenção das áreas com Wolbachia em comparação com áreas adjacentes”, afirma o pesquisador da Fiocruz Luciano Moreira, coautor do trabalho e líder do WMP (World Mosquito Program) Brasil.
Com ações em 12 países e financiamento da Fundação Bill & Melinda Gates e do Conselho Europeu de Pesquisa, o WMP tem projetos em cinco cidades brasileiras: Rio de Janeiro, Niterói, Campo Grande, Belo Horizonte e Petrolina. Aqui, o programa tem o apoio do Ministério da Saúde e é liderado pela Fiocruz.
Moreira explica que em todos os municípios parceiros existe um longo processo de trabalho. O primeiro passo é engajar a população. A equipe do projeto e os agentes locais explicam à população que vírus que causam doenças como a dengue não podem se estabelecer em mosquitos com Wolbachia. Dizem também que é uma bactéria natural, encontrada em insetos como a mosca-das-frutas, e que passa de geração em geração entre os animais infectados.
“Não introduzimos mais a bactéria em ovos. Isso aconteceu em 2009 e 2010, na Austrália. Em 2011, trouxemos insetos inoculados e cruzamos com mosquitos do Brasil. Desde então, temos uma população local que contém Wolbachia e basta produzir em larga escala. Hoje, nossa produção gira em torno de 10 milhões de ovos por semana”, diz Moreira.
O engajamento pode durar de quatro a seis meses, dependendo do local, e o grupo realiza entrevistas e aplica questionários para verificar se a população aprova a liberação dos mosquitos. Enquanto isso, a produção em larga escala ocorre.
A próxima fase é a fase de lançamento, que leva de quatro a cinco meses. Há solturas semanais de machos e fêmeas que são mestiços para aumentar a prevalência natural de mosquitos com a bactéria. Por fim, há o monitoramento com armadilhas para verificar se a Wolbachia está presente nos ovos e animais coletados e a análise dos dados dos casos de dengue, zika ou chikungunya.
“O método Wolbachia é complementar e ao longo do programa pedimos à população que não mude sua rotina. As ações de controle de vetores no município continuam e as pessoas continuam fazendo o dever de casa para reduzir os criadouros”, destaca.
Como a escala do processo varia de acordo com a cidade, as instalações e o número de funcionários cedidos pelas prefeituras, Moreira diz que é difícil estimar o custo atual – há alguns anos, era pouco mais de R$ 20 por morador – mas compara a iniciativa a projetos de infraestrutura, nos quais os benefícios para a sociedade permanecem mesmo ao longo dos anos. “Temos áreas onde a liberação aconteceu há sete anos e os mosquitos com Wolbachia ainda estão lá.”
De acordo com o pesquisador, mais de 30 municípios já demonstraram interesse em adotar o programa, mas ainda não é possível atendê-los. “É um processo lento, leva tempo. Seria o caso de cobrir as áreas aos poucos e seguir o ponto de vista técnico, epidemiológico, para priorizar locais com histórico de arboviroses e ter um impacto maior”, diz.
Mosquitos do bem Outra iniciativa no país é o projeto Aedes do Bem, no qual pessoas, empresas e municípios podem adquirir caixas com ovos de Aedes aegypti com característica autolimitante que impede a proliferação de fêmeas, responsáveis pela transmissão de doenças.
Diretora da Oxitec do Brasil, responsável pelo produto, Natalia Verza Ferreira conta que foram realizados pilotos na Bahia e Minas Gerais e, mais recentemente, nas cidades paulistas de Piracicaba e Indaiatuba. Estima um crescimento de vendas de 300% em 2022 em relação a 2021.
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