Especialistas apontam a falta de comunicação a essa população sobre as tecnologias de prevenção, além do tabu sobre a vida sexual dos idosos.
Os casos de HIV começaram a ser notificados no Brasil a partir de 2007 e, com o passar dos anos, foi possível perceber um aumento no número de pessoas infectadas, principalmente na população idosa.
A infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas Gisele Cristina Gosuen, responsável por um ambulatório da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que acompanha idosos vivendo com HIV, explica que ao estudar a manifestação do vírus nessa população, as pessoas são considerados a partir de 50 anos.
De acordo com o Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2021 do Ministério da Saúde, entre 2007 e 2009, foram notificados 2.383 casos de HIV em pessoas com mais de 50 anos. Já em 2019, quando houve um pico de novos casos, quando foram registrados 5.469 novos idosos com HIV, o que representa um salto de 129% nos novos registros comparando os dois períodos.
O infectologista faz uma análise e diz que não existe apenas um fator que determina esse aumento de casos nessa população. Para Gisele, essa geração não tem cultura do preservativo, pois muitos passaram anos em um único relacionamento monogâmico.
“Ainda ouço muito dos pacientes que o preservativo é usado apenas para evitar a gravidez e, uma vez que não corre mais risco, não vê motivo para usá-lo. Já os homens idosos relacionam o uso do preservativo apenas com profissionais do sexo”, diz.
Em relação aos homens, o Boletim Epidemiológico indica que entre 2007 e 2021, 52,1% dos casos foram devidos à exposição homossexual ou bissexual. Gisele conta que o ambulatório da Unifesp atende cerca de 300 pessoas, a maioria homens que fazem sexo com homens – o que reforça ainda mais o estigma do HIV em relação às pessoas LGBTQIAPN+.
O profissional de saúde acrescenta que os medicamentos para disfunção erétil também impactam nesse aumento de infecção ao longo dos anos, além das redes sociais com aplicativos de relacionamento, que trouxeram mais possibilidades de namoro e parceiros sexuais, mesmo que essa população não esteja tão atualizada com a tecnologia .
“As danças para idosos também trazem mais movimento para a vida sexual dos idosos. Esses conjuntos de fatores contribuem para o aumento dos casos de HIV nessa população”, afirma.
Para o infectologista Vinicius Borges, especialista em saúde LGBT+, outro ponto que contribui para esse aumento de casos de HIV na população idosa ao longo dos anos é o tabu sobre a sexualidade nessa faixa etária: “Além do fato de muitas dessas pessoas não tiveram a oportunidade de debater questões de sexualidade na juventude, na idade adulta e na terceira idade, têm sua sexualidade invisibilizada, principalmente se forem LGBT+”.
O médico afirma ainda que é responsabilidade dos profissionais de saúde, ao abordar prevenção, HIV, ISTs e desejo sexual, incluir a população idosa nessa discussão, para que não sejam privados de informações e acesso às tecnologias de prevenção.
“Invisibilizar a função sexual do idoso é torná-lo mais vulnerável à infecção pelo HIV e outras IST”, diz.
Outro ponto que o profissional aborda são os mecanismos de comunicação sobre a vida sexual para essa população, principalmente LGBT+, que não são os mesmos para as gerações mais jovens. Ele acredita que a melhor forma é estimular a conversa nos escritórios.
“Quando um idoso procura um serviço de saúde para verificar um problema específico, o profissional precisa perguntar sobre sua rotina sexual, pois o idoso pode não se sentir à vontade para abordar o assunto, principalmente pelo medo da LGBTfobia, quando faz parte da comunidade. É importante que os profissionais sejam mais bem treinados e entendam que função sexual não é só ereção e lubrificação vaginal”, alerta o infectologista.
Uma paciente que vive com HIV há pelo menos 21 anos é a aposentada Silvia* de 74 anos. Ela acredita que se infectou em 2001, mas o diagnóstico só veio em 2007, quando ela tinha 59 anos, durante uma consulta de rotina com seu ginecologista.
A aposentada conta que em 1999 fez uma cirurgia que exigia teste de HIV e que, na época, deu negativo. Quando ela fez o novo teste em 2007, ela deu positivo: “Eu estava me sentindo muito cansada, mesmo depois de tomar vitaminas, então meu ginecologista pediu o teste. Repeti o teste mais duas vezes porque não aceitei o resultado”.
Silvia acredita que a contaminação aconteceu a partir de um relacionamento com um colega de trabalho: “Em 1999, quando fiz o primeiro teste que deu negativo, eu já tinha um relacionamento com ele. Quando o diagnóstico deu positivo, eu não estava em um relacionamento com ninguém.”
Ela diz que o homem contraiu meningite em 2001 e ficou muito doente na época. A aposentada ainda cuidou de seu então companheiro, que teve muitos efeitos colaterais.
“Quando meu resultado deu positivo, ele disse que faria os exames e não me respondeu. Eu o confrontei e ele acabou me contando que em 2001, quando começou a apresentar sintomas de meningite, fez o teste e o resultado deu positivo. Convivi por anos com o vírus sem apresentar nenhum sintoma aparente”, conta.
A idosa também conta que foi difícil iniciar o tratamento, mas que encontrou um médico que tirou suas dúvidas e a acalmou. Ela decidiu manter a condição reservada apenas para os médicos que a atendem hoje e para o filho, que na época tinha 29 anos e hoje tem 42. Para ele, ela só teve coragem de contar dois anos após o diagnóstico.
“Hoje até esqueço que tenho a doença, pela eficácia do tratamento, mas houve traumas, me fechei para confiar nas pessoas. Não falo mais com o homem que me infectou”, conclui.
*Silvia é um nome fictício. A entrevista optou por preservar sua identidade.
Fonte: IG Queer
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