O câncer de mama afeta cada vez mais mulheres com menos de 50 anos.

Em 2021, a jornalista Júlia Pessôa foi surpreendida com o diagnóstico de câncer de mama. Sem histórico familiar da doença, ela descobriu um tumor na mama direita e logo iniciou o tratamento para combatê-lo. O diagnóstico veio quando Júlia tinha 35 anos, e a colocou em um percentual ainda pequeno, mas crescente, de casos que acometem mulheres nessa faixa etária.

Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, os casos de câncer de mama em mulheres com 35 anos ou menos representam 4% a 5% do total. Esse número, no passado, era de apenas 2%, o que, segundo especialistas, mostra uma queda na faixa etária ao diagnóstico que, historicamente, acometia principalmente mulheres com mais de 50 anos.

Independentemente disso, no entanto, receber a notícia de que você tem câncer é difícil em qualquer idade. Para Júlia, aos 35 anos, foi um susto. “Me assustei. Pensamos: ‘há tanto que quero, tantos sonhos para realizar, tantos lugares para ir, tanto para fazer’. O câncer se torna um freio obrigatório em nossa vida.” Para ela, foram quase dois anos de tratamento, envolvendo quimioterapia, cirurgias, radioterapia e medicação.Hoje, Júlia só tem controle e acompanhamento com médicos, e não há evidências da doença.

Ela lembra que o diagnóstico precoce fez toda a diferença e, para isso, a informação foi fundamental. “É muito importante a gente ter conhecimento, tanto técnico, sobre os sintomas, como perceber que há algo fora do comum, além de conhecer outras pessoas que estão passando por isso, ou passaram por isso e agora estão curado.”

Nesse sentido, é preciso ter em mente que o câncer é curável, e que o tratamento atuará de forma única em cada caso. “Esse estereótipo que foi criado sobre o câncer é muito prejudicial, como se a doença fosse uma sentença de morte. A imagem que temos é ou de Carolina Dieckmann raspando o cabelo e chorando, como na novela, ou daquela pessoa que foi curada e se coloca como um milagre, o que também é complicado, porque milagres não acontecem para todos.” Ela conta que tal ideia pode até afastar as pessoas do diagnóstico, já que muitos até deixam de fazer exames de rotina por medo de receber a notícia da doença.

“Existe o que o buscador encontra. Se você encontrou, tudo bem, vamos lidar com isso.” No caso de Júlia, como ela não tem histórico de câncer de mama na família, seu caso foi ainda mais raro. Geralmente, quando a doença afeta mulheres mais jovens, suas raízes são genéticas e os testes de triagem são aconselhados ainda mais cedo. “No meu caso, sempre fui muito responsável com a saúde, e descobri o nódulo mesmo com os exames em dia.”

A fase do tratamento não foi fácil, mas Júlia conta que em todos os momentos se ateve às coisas que a faziam se sentir bem. A moda foi uma delas. “Cabelo sempre foi minha coisa, eu sempre cortava, mudava de cor, e quando começou a cair, foi um grande choque. Mas aprendemos a negociar com o que temos. Hoje em dia vejo fotos de quando estava em tratamento e acho que, até segurar o visual”, conta, rindo.

A fase do tratamento não foi fácil, mas Júlia conta que em todos os momentos se ateve às coisas que a faziam se sentir bem. A moda foi uma delas (Foto: Felipe Couri)

Testes de triagem permitem detectar a doença mais cedo

Além dos dados da Sociedade Brasileira de Mastologia, artigo publicado na revista Nature Reviews Clinical Oncology também aponta maior incidência de alguns tipos de câncer, entre eles o de mama, em pessoas com menos de 50 anos. Ele ressalta que o aumento da utilização de programas de rastreamento, principalmente para câncer de mama, tireoide e próstata, pode ter contribuído, em parte, para esse fenômeno.

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Tribuna conversou com dois oncologistas sobre a maior incidência de câncer de mama, especificamente, em mulheres jovens. Christiane Meurer é oncologista clínica e explica que essa queda na faixa etária de diagnósticos desse tipo de doença se deve a fatores reprodutivos, como uso de anticoncepcionais orais, primeira gravidez em idade avançada, além de obesidade, sedentarismo estilo de vida, consumo de álcool, entre outros. outros. Segundo ela, esses fatores podem ter contribuído, desde meados do século XX, para o aumento da incidência de câncer de mama em mulheres na pré-menopausa.

O médico oncologista ressalta que existem diferentes subtipos de câncer de mama, que podem ou não responder melhor ao tratamento, e que mulheres mais jovens geralmente apresentam menor número de comorbidades associadas. “Quando os pacientes são mais velhos, podem ter outras doenças, como hipertensão e diabetes, o que pode tornar o tratamento mais arriscado. O que realmente impacta para você ter uma boa resposta ao tratamento é descobrir a doença precocemente.”

aconselhamento genético

E é no rastreamento da doença que a medicina evolui cada vez mais. Mariana Abad é especialista em oncologia genética e explica que as mulheres mais jovens, apesar de serem a minoria dos casos, costumam ser acometidas pelo câncer decorrente de uma mutação hereditária. “Por isso, quando uma jovem é diagnosticada, aconselhamos fazer exames genéticos para ver se, de fato, o câncer tem essa raiz. Com a farmacogenética é possível indicar um tratamento específico dependendo da mutação. Saberemos se esse tratamento, ou medicação, tem uma resposta melhor ou menos efeitos colaterais.”

O aconselhamento genético é um exemplo de tecnologia que tem auxiliado na identificação cada vez mais precoce do câncer, incluindo o câncer de mama. Consiste em verificar a probabilidade de uma doença genética ocorrer em uma família. Com essa probabilidade, é possível orientar as mulheres sobre as chances de desenvolver câncer de mama ou de ovário, por exemplo, e o que fazer a respeito.

Mariana Abad relembra o caso que ganhou repercussão da atriz Angelina Jolie. A atriz americana passou por uma dupla mastectomia preventiva, uma cirurgia para retirar os seios. A revelação foi feita em um artigo intitulado “My Medical Choice”, publicado no jornal americano “The New York Times”. Angelina, 37, diz que descobriu que tinha um “defeito” no gene chamado BRCA1. Os médicos disseram que ela tinha 87% de chance de desenvolver câncer de mama e 50% de chance de ter câncer de ovário.

“Quando fazemos o mapeamento genético e diagnosticamos uma mutação patogênica, descobrimos para quais cânceres essa mutação aumenta o risco. Por exemplo, uma mutação do BRCA aumenta o risco de até 80% de câncer de mama e 60% de risco de câncer de ovário”, explica Mariana. A partir desse diagnóstico, médico e paciente vão conversar sobre as melhores medidas a serem tomadas para prevenir a doença.

O médico explica ainda que o câncer hereditário tende a ser mais agressivo, porém, responde melhor a determinados tipos de tratamento. Isso porque a medicina personalizada já é uma realidade, e diversos medicamentos atuam em alvos específicos, guiados por avaliações moleculares ou genéticas.

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