Hoje, 22 de outubro, é o Dia Internacional de Ação pela Despatologização Trans, campanha que surgiu com o objetivo de reafirmar à sociedade que a identidade de gênero não é um transtorno nem uma doença e que merece ser respeitada de forma digna. Apesar da OMS (Organização Mundial da Saúde) ter retirado a transexualidade da CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde) em 2018, ainda há muito a ser feito para quebrar as barreiras do preconceito – e a Campanha anual Outubro Rosa é um exemplo claro. Pessoas trans também podem ter câncer de mama e, portanto, também devem fazer parte do público-alvo das ações, mas não é isso que acontece.
“É a mesma coisa todo ano. As instituições de saúde pública e privada simplesmente ignoram a transgeneridade e a existência de uma pluralidade de corpos”, reclama o tatuador e modelo trans Gabriel de Carvalho, 27, que diz não se sentir representado pelas campanhas de o Outubro Rosa.
Em seu perfil no Instagram, Gabriel fez questão de postar uma foto mostrando o resultado da mastectomia de retirada total da mama e cobrando pela representatividade nas ações. “Como sujeito transmasculino, não me sinto representado. Todas as campanhas são voltadas para mulheres cis, com cores e tipografia com signos sociais lidos como ‘universo feminino’. Quero ver campanhas abordando trans, NB [não-binários] com seios com visual bem neutro. Sem empurrar a barra para feminilidade ou masculinidade”, declarou ela.
sociedade heteronormativa
Para a ginecologista Ana Thais Vargas, médica voluntária da Casa 1, centro de acolhimento de pessoas LGBTQIA+ expulsas de casa em São Paulo, a exclusão das pessoas trans das ações de Outubro Rosa é reflexo da “heteromatização da sociedade”. “Em outras palavras, é um preconceito aberto e explícito. Para a profissão médica, é como se as pessoas trans não existissem. É uma invisibilidade total”, diz ela.
Pesquisas indicam que o câncer de mama é o tipo que mais atinge as mulheres em todo o mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto desenvolvidos. De acordo com o INCA (Instituto Nacional do Câncer), vinculado ao Ministério da Saúde, o câncer de mama também ocupa o primeiro lugar em mortalidade por câncer entre as mulheres no Brasil. Esses dados, no entanto, mencionam apenas mulheres cisgênero – homens trans, independentemente de terem feito ou não mamoplastia masculinizante (chamada “cirurgia top”), e as mulheres trans não fazem parte das estatísticas.
Segundo Ana, a literatura médica envolvendo a comunidade trans é precária. Em relação ao câncer de mama, há apenas um estudo conhecido mundialmente. Desenvolvida pelo VU University Medical Center, na Holanda e publicada pela revista “BMJ”, a pesquisa descobriu que mulheres trans têm 47 vezes mais chances de ter câncer de mama do que homens cis. Vale lembrar que o câncer de mama em homens cis é raro e representa cerca de 1% de todos os diagnósticos.
problema estrutural
A falta de diversidade e conexão com a pluralidade de corpos e experiências nas campanhas do Outubro Rosa é apenas a ponta do iceberg de um sistema que ainda deixa a comunidade LGBTQIA+ à margem. Essa é a opinião do mastologista Diego Wallace Nascimento, membro da SBM (Sociedade Brasileira de Mastologia) e médico voluntário do ICESP (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) do HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo). Paulo). “O acesso aos serviços de saúde para essa população ainda é precário e as pessoas se sentem inibidas em procurar um médico justamente pela falta de profissionais humanizados”, diz Diego, que insiste em destacar seu lugar de fala como gay.
Diego também aponta a urgência de promover políticas públicas efetivas, uma vez que a política de saúde integral da população LGBTQIA+ desenvolvida para o SUS (Sistema Único de Saúde) na prática carece de aprimoramento – percepção compartilhada por Ana Thais Vargas. “As pessoas trans, principalmente, evitam procurar ajuda médica por medo de serem maltratadas”, diz a médica.
Outro ponto necessário segundo especialistas, quando se trata de saúde pública, é atenuar o vínculo entre a imagem da comunidade LGBT e as IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis). “Pessoas trans têm corpo como todo mundo, têm problemas de saúde como todo mundo e, portanto, merecem os mesmos cuidados. É preciso combater a LGBTFObia na saúde, começando pelas universidades, que devem preparar melhor os profissionais do futuro para atender mais mais diversificada”, sentencia o ginecologista.
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