Dados da PNS de 2019 indicam que 52% da população do país com 18 anos ou mais teve diagnóstico de pelo menos uma DCNT em 2019
A partir deste domingo (9), as embalagens de alimentos industrializados ganharão uma nova rotulagem, com advertências sobre produtos com alto teor de adição de açúcar, gordura saturada e sódio. Esses nutrientes estão associados ao aumento da obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como doenças cardiovasculares, diabetes e diversos tipos de câncer.
Dados da PNS 2019 (Pesquisa Nacional de Saúde) indicam que 52% da população do país com 18 anos ou mais teve diagnóstico de pelo menos uma DCNT em 2019. No mesmo ano, a prevalência de sobrepeso e obesidade entre os brasileiros foi de 53 . 8%. A ideia é que, com informações mais claras e compreensíveis, as pessoas possam fazer escolhas mais saudáveis.
As mudanças acontecerão de três maneiras. Na parte frontal do rótulo, haverá um ícone de lupa quando a quantidade de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio presente em 100 g ou 100 ml for superior ao estabelecido pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A tabela de informações nutricionais passa a ter apenas letras pretas e fundo branco para contrastar com as demais cores da embalagem. A identificação dos açúcares totais e adicionados e a declaração do valor energético e nutricional por 100 g ou 100 ml do produto também são obrigatórias, para auxiliar na comparação de produtos e evitar que o consumidor seja enganado ou confundido.
Haverá também uma mudança nas chamadas alegações nutricionais, que são selos que apontam características positivas do alimento, por exemplo, “rico em ferro”, “leve”, “livre de gordura trans”. Se o alimento tiver lupas de alerta, a alegação nutricional não poderá ocupar a parte superior frontal.
Aprovadas em 2020, as novas regras exigiram seis anos de discussões, marcadas por disputas entre representantes do setor e defensores dos direitos do consumidor. A indústria alimentícia pressionou para impor seu próprio modelo de alerta nos rótulos, em forma de semáforo, indicando baixo, médio e alto teor de ingredientes.
O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) defendia um modelo de rotulagem frontal que utilizasse um triângulo em vez de uma lupa.
O modelo seria uma adaptação do formato usado no Chile, primeiro país da América a adotar novas regras de rotulagem de alimentos em 2016. Produtos com excesso de nutrientes que podem ser prejudiciais à saúde levam um octógono preto como aviso.
Embora haja unanimidade de que a nova rotulagem represente um avanço no sentido de tornar as informações mais claras para o consumidor, há preocupação com possíveis estratégias insalubres que a indústria possa adotar para “contornar” as novas regras.
De acordo com Paula Johns, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde, para não ultrapassar a linha de corte de nutrientes nocivos e, com isso, ter que colocar a lupa de alerta na embalagem, a indústria pode adicionar outros nutrientes não saudáveis que não são cobertos. na nova norma.
Ela cita o exemplo da adição de adoçantes. “Isso aconteceu no Chile. Houve muita reformulação no setor para baixar o nível de açúcar e ficar abaixo da necessidade de colocar um alerta [no rótulo], mas eles combinaram esse açúcar com adoçante. São muitas brincadeiras.”
A nutricionista Sophie Deran, agrônoma e médica do Departamento de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), diz que, nesse movimento de mudanças na indústria de alimentos, não vê melhora na qualidade dos produtos. “Eles são cada vez mais ultraprocessados e usam muitos adoçantes. Os adoçantes não são a solução para menos açúcar.”
“Nos iogurtes do Brasil não tem fruta nos ingredientes, existe ‘preparação de fruta’ que é mais uma calda com um pouco de fruta do que polpa de fruta como se diz na Europa. Isso é uma aberração num país tão abundante em fruta” , Ela adiciona.
João Dornellas, presidente executivo da Abia (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos), diz que a nova legislação foi amplamente discutida com todas as entidades da sociedade e que a Anvisa foi baseada em estudos científicos e experiências de outros países.
“Esses três macronutrientes [sódio, açúcar e gordura] são os que os consumidores têm de prestar mais atenção. Adoçante é uma categoria de aditivos permitida pela OMS [Organização Mundial da Saúde]por FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura]que são usados em doses muito seguras para humanos”, diz.
Ele reforça que, independentemente das novas regras de rotulagem, há um acordo assinado há uma década entre a indústria e o Ministério da Saúde para a redução voluntária dos níveis de açúcar, sódio e gordura trans. Nesse período, segundo Dornellas, foram retiradas 30 mil toneladas de sódio e 310 mil toneladas de gordura trans dos produtos industrializados.
“Por que demora dez anos? Porque é necessário para a adaptação do consumidor. Se você toma um tablete de caldo de carne e reduz o sódio em 50%, o que nós, consumidores, fazemos? Colocamos mais sal na casa.”
No açúcar, o acordo é reduzir 144 mil toneladas de açúcar sem substituição. “A ideia é reduzir gradativamente para que o consumidor se adapte ao sabor”, diz.
Os diferentes prazos de adaptação à nova rotulagem também podem confundir os consumidores, segundo Paula Johns. De acordo com a resolução da Anvisa, todos os novos produtos devem cumprir as novas regras a partir deste domingo. Os antigos ainda terão um ano para serem adaptados.
“Posso ir ao supermercado e encontrar dois pacotes de biscoitos. Um novo já terá o rótulo nutricional na frente, com o alerta, e o outro antigo pode estar sem. Mas não porque um desses dois biscoitos é melhor que o outro. É só porque o prazo para sua implementação ainda não chegou.”
Dornellas, da Abia, conta que a entidade está fazendo um trabalho educativo para que os consumidores possam comparar as embalagens, mas ressalta que os produtos são constantemente reformulados e alterados “Durante o ano, veremos cada vez mais produtos com a presença do novo regulamento”.
Segundo ele, a norma brasileira avança em relação a outros países porque prevê uma análise de impacto regulatório para avaliar nos próximos anos se está cumprindo o papel para o qual foi criada. No Chile, um estudo publicado em 2021 mostrou que houve queda de 24% na compra de produtos com alto teor calórico, 37% para aqueles com alta concentração de sódio e 27% para aqueles com grande quantidade de açúcar adicionado. O estudo avaliou os hábitos de consumo de 2.300 famílias e comparou o ano de 2015 (período anterior à norma) ao final de 2017, quando as regras já estavam em vigor.
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