O mês de outubro é marcado pela conscientização sobre o câncer de mama, que associamos instantaneamente a uma ação voltada às mulheres cis, visão que exclui uma população que tem o direito de entrar no debate – as pessoas trans.
O câncer de mama no Brasil ocupa o primeiro lugar em mortalidade por câncer entre as mulheres, com mais de 66.000 novos casos por ano e uma taxa de mortalidade de 14,23 por 100.000, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). A doença também atinge homens, mas a incidência nesse grupo representa cerca de 1% de todos os casos.
Segundo Marcela Balaro, médica especialista em radiologia do Inca e coordenadora do setor de imagem mamária da Richet Medicina & Diagnóstico, as sociedades brasileiras recomendam a mesma recomendação para homens trans que não fizeram mastectomia (cirurgia para retirada das mamas) Ministério da Saúde para rastreamento em mulheres, ou seja, mamografia a partir dos 50 anos, a cada dois anos.
“Em alguns países, para homens trans submetidos à mastectomia que têm tecido mamário residual e fatores de risco associados, o exame clínico e o ultrassom anual podem ser considerados como opções de triagem”.
No caso das mulheres trans, há poucos estudos sobre a incidência e os riscos do câncer de mama. No entanto, segundo a especialista, como a exposição prolongada aos hormônios estrogênio ou progesterona usados no tratamento hormonal para reafirmação de gênero é um conhecido fator de risco para o câncer de mama, o rastreamento também é importante nesse perfil.
“Embora não existam protocolos estabelecidos, há uma tendência de recomendar a mamografia a partir dos 50 anos, a cada dois anos, também para mulheres trans com fatores de risco como mais de cinco anos de terapia de reposição hormonal, histórico familiar de câncer de mama, e obesidade”, diz.
Marcela destaca ainda que não há necessidade de triagem específica ou diferenciada para mulheres trans com implante de silicone.
“O câncer de mama em implantes de silicone está associado ao linfoma anaplásico de grandes células, um subtipo muito raro de linfoma de células T. As taxas de cura são muito altas, ultrapassando 90% dos casos, e a maioria dos pacientes é tratada apenas com a retirada da prótese”, explica o médico.
Dificuldade no sistema atrapalha atendimento a pessoas trans
O barman e garçom Matheus Guilherme Contilio, 27 anos, descobriu caroços nos seios ao realizar um autoexame. A partir desse episódio, ele conta que começou a travar uma batalha para ter um atendimento adequado no sistema público de saúde.
“Descobri os nódulos há aproximadamente três anos. Também senti muita dor na época, por conta de uma displasia mamária que descobri depois, além da minha mama produzindo galactorreia (produção de leite nas mamas de homens ou mulheres que não estão amamentando)”, explica o barman.
Contílio conta que teve muita dificuldade quando foi buscar atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), e que viveu situações transfóbicas durante a experiência.
“Tive muita dificuldade para conseguir tratamento no SUS porque, pela minha identidade masculina, o sistema entendeu que eu não tinha direito ao tratamento. Ele não me reconheceu como um homem trans, mas como um homem cis. Fui reinserido no Sisreg (Sistema Nacional de Regulação) cinco vezes”, conta.
O garçom conta que foi depois de cerca de dois anos e meio que conseguiu o atendimento de uma mastologista: “Ela me disse que meus nódulos não eram malignos, mesmo não tendo feito biópsia. No entanto, a dor persiste até hoje.”
“Por causa da dor, tive que procurar um serviço que me permitisse fazer uma mastectomia masculinizante. Tentei pelo SUS, mas não consegui”, conta Matheus, que atribui à “rede de apoio trans, e não à Saúde Pública” ter conseguido a cirurgia de retirada da mama, que acontecerá na próxima terça-feira (25).
“Fiz a cirurgia no Hospital Universitário do Fundão [Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)], de um amigo que realizou o procedimento lá e me levou com ele quando voltou para uma consulta de acompanhamento. Expliquei minha situação ao médico que se sensibilizou e concordou em fazer a mastectomia”, conta.
Matheus conclui afirmando que a mastectomia não era seu desejo na época, e que por ter seios flácidos, uma fita ou academia poderia ajudar na masculinização sem a necessidade de cirurgia. No entanto, ele é incapaz de trabalhar devido à dor intensa.
“Estou muito nervosa. É um misto de medo e felicidade, porque não escolhi fazer mastectomia, na verdade preciso. Estou ansiosa por todas as mudanças que meu corpo vai passar, mas estou muito feliz por finalmente parar de sentir dor e poder ter uma vida normal.”
Fonte: IG Queer
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