Ucrânia desesperada para fechar os céus


Diante dos sucessivos ataques do Kremlin contra civis, durante esta semana, o governo de Kiev alterou a lista de compras que havia entregue à OTAN, dando prioridade às defesas antiaéreas. Imagens de mísseis russos atingindo estradas movimentadas na hora do rush ou de crateras em playgrounds deram uma nova urgência a essas chamadas. Os governos ocidentais responderam prontamente enviando alguns de seus equipamentos mais modernos, como o alemão IRIS-T ou NASAMS, de fabricação norueguesa. O que a Ucrânia realmente gostaria seria de receber os Patriots americanos, mas Washington ainda está pensando nisso. O Kremlin também está tentando ganhar vantagem nos céus, contando com sua nova frota de drones iranianos.

Embora os ataques desta semana tenham sido particularmente violentos, matando pelo menos uma dúzia de civis e ferindo mais de cem em Kiev, Zaporyjia e Dnipro apenas, de acordo com relatos das Nações Unidas, não é novidade para o Kremlin atingir propositalmente a infraestrutura civil. As forças russas vêm atingindo usinas e barragens há semanas, coincidindo com uma sucessão de contratempos sofridos pelos invasores no campo de batalha.

“Eles querem destruir nosso sistema de energia”, disse Volodymyr Zelensky na segunda-feira, enquanto mísseis de longo alcance e drones suicidas cruzavam os céus da Ucrânia. É só que o impacto dos ataques na rede elétrica é talvez mais mortal do que os próprios bombardeios. O rigoroso inverno ucraniano está se aproximando e muitos podem não ter como se aquecer, correndo o risco de morrer de frio.

Entre os comentaristas pró-Kremlin, os incentivos para esses ataques estão se multiplicando. “Precisamos atingir a infraestrutura, que não pode ser separada em militar e civil”, apelou Bogdan Bezpalko, membro do conselho do Kremlin para relações interétnicas, às câmeras da televisão estatal russa.

“Tem que ser feito constantemente. Não apenas uma vez, mas por duas a cinco semanas, para desativar toda a infraestrutura”, continuou ele. «Então a Ucrânia cairá no frio e na escuridão».

Se o regime de Vladimir Putin ainda não conseguiu fazer isso, não foi por falta de vontade, disse Konrad Muzyka, analista da Rochan Consulting, falando ao Washington Post. “Eles estão com falta de mísseis guiados de precisão”, apontou ele, observando que os ataques com esses mísseis diminuíram nos últimos meses. “Essa é a única explicação que eu tenho.”

Enxames de drones ‘motoreta’ do Irã

Dos cerca de oitenta mísseis disparados pela Rússia na segunda-feira, mais da metade foi interceptada, anunciaram autoridades ucranianas. Agora, a expectativa é de que ficará ainda mais difícil para o Kremlin atingir suas metas. A chegada do primeiro dos quatro IRIS-Ts (ver foto) oferecidos pelo governo alemão é visto como um ponto de virada nas capacidades antiaéreas da Ucrânia.

Estas plataformas disparam mísseis guiados por infravermelhos, apenas um para defender “uma cidade inteira”, assegurou o chanceler Olaf Scholz, e são sistemas topo de gama de médio alcance. A versão oferecida é tão recente que nem as próprias Forças Armadas alemãs a receberam. O governo português já se gabou de dar à Ucrânia uma antiga frota de seis helicópteros Kamov de fabricação soviética. Todos a necessitar de reparações e um deles inoperante por ter batido num parque de merendas no Montijo.

Cada IRIS-T possui uma bateria, composta por três lançadores de mísseis montados em caminhões, controlados por um centro de comando a cerca de vinte quilômetros de distância. Seu centro de comando é onde tem sua maior vantagem sobre os sistemas antiaéreos de fabricação soviética nos quais a Ucrânia confiou, como o Buk e o S-300. O centro de comando integra informações do radar de cada lançador de mísseis, permitindo que eles trabalhem juntos para eliminar vários alvos simultaneamente, dificultando que as forças russas os ultrapassem disparando uma saraivada de drones e mísseis.

Como tal, os IRIS-Ts, como os NASAMS oferecidos pelos EUA, são ideais para enfrentar o enxame de drones Shahed-136 que o Kremlin comprou do Irã. Esses drones são baratos – custam cerca de € 20.000 cada – e podem ser lançados de um caminhão. “Eles não são particularmente rápidos, funcionando com um motor de dois tempos não sofisticado, semelhante a um cortador de grama. Nem eles vão se aproximar de ninguém”, descreveu a Foreign Policy. As tropas russas até apelidam os Shahed de “motocicletas” por causa do zumbido característico que eles fazem.

No entanto, seguindo a doutrina iraniana de drones, eles não precisam ser rápidos ou discretos. “O objetivo de usar esses Shaheds é que eles voem em grandes grupos e consigam sobrecarregar as defesas aéreas”, explicou Samuel Bendett, analista do think tank CNA. Apenas uma ou duas passagens para causar estragos brutais, soltando um drone kamikaze menor com mais de 35 kg de explosivos.

Pensa-se até que Moscou está contando com a ajuda de instrutores iranianos no terreno para treinar suas tropas em Kherson e na Crimeia no uso de drones, um relatório do Instituto para o Estudo da Guerra descrito nesta semana. Suspeita-se que esses instrutores sejam da Guarda Revolucionária Iraniana, apesar de esta estar tão ocupada reprimindo os protestos em massa em seu próprio país (ver página 54).

Kalibr versus IRIS-T, Iskander versus Patriot

Os drones suicidas disparados pelo Shahed são particularmente eficazes porque são pequenos e muito difíceis de atingir com os mísseis antiaéreos de ombro enviados pela OTAN aos ucranianos. Mas as forças russas têm armas muito mais formidáveis ​​do que o Shahed-136. Como o Kinzhal, mísseis supersônicos ar-terra capazes de voar a mais de dez vezes a velocidade do som, projetados para ultrapassar os sistemas de defesa aérea da OTAN. Apesar de Putin se gabar tanto deles, chamando-os de “arma ideal”, eles têm pouco uso na Ucrânia – acredita-se que o Kremlin não tem muitos e os está guardando para um eventual confronto com a OTAN.

Os russos apostam principalmente no Kalibr, disparado pela frota do Mar Negro, capaz de voar em baixas altitudes para evitar radares. E sobretudo no Iskander, mísseis balísticos transportados em caminhões, com alcance de centenas de quilômetros.

Os IRIS-Ts são bons para parar mísseis Kalibr, disse Denys Smazhnyi, responsável pelo treinamento das forças antiaéreas ucranianas. Mas “a melhor proteção contra mísseis balísticos ainda é concreta”, lamentou Smazhnyi, ao Economist. Basta fazer as contas. Não apenas os Iskanders, devido ao seu alcance, tendem a cair de uma altura enorme em grande velocidade quando detectados pelas defesas, sua ogiva sozinha pode pesar 700 kg, enquanto um míssil IRIS-T inteiro pesa apenas 100 kg.

Seria uma história diferente se os ucranianos tivessem acesso aos Patriots, talvez a plataforma mais eficaz do planeta contra mísseis balísticos. No entanto, cada bateria custa o equivalente a um bilhão de euros astronômicos, exigindo pelo menos 70 soldados treinados ao longo de meses para operá-los.

Washington não tem muitos Patriots disponíveis e não está disposto a oferecê-los à Ucrânia, mas as negociações estão em andamento, disse o Politico. Também na mesa está o despacho de seus caças F-16 e drones Grey Eagle.

O chefe de gabinete dos EUA, Mark Milley, sugeriu a possibilidade de enviar os Patriots nesta quarta-feira. Ao mesmo tempo, ele parecia querer impedir que os EUA pagassem a conta. “Muitos países têm Patriots, muitos países têm outros sistemas”, disse Milley em entrevista coletiva. “A tarefa será reuni-los, colocá-los no chão, treinar. E porque cada um desses sistemas é diferente, para garantir que possamos conectá-los, que eles tenham radares que se comuniquem”. Assim, até agora, os americanos optaram por enviar o NASAMS. Que ainda têm a vantagem de serem amplamente utilizados pelos estados membros da OTAN, com vastas reservas de munição.

no campo de batalha

Esses sistemas antiaéreos não apenas podem aumentar a segurança das cidades ucranianas e da rede elétrica, mas também podem ser uma dor de cabeça para as forças russas se Kiev se arriscar a usá-los no campo de batalha. Quando os ucranianos detectaram um buraco na linha de frente a sudeste de Kharkiv, uma das razões apontadas para seu sucesso foi sua capacidade de construir discretamente defesas antiaéreas na região, impedindo que a aviação do Kremlin interviesse e esmagasse a contra-ofensiva.

Isso pode ter um impacto em Kherson, uma região-chave para controlar a costa do Mar Negro, que os ucranianos esperam recapturar antes que o inverno chegue. O Kremlin tem o único pedaço de território a oeste do rio Dnipro sob seu controle, e Putin fez tudo para mantê-lo. Havia indícios de que o conselho de alguns generais o fizesse, ele leu em um relatório do Instituto para o Estudo da Guerra.

Como tal, o Kremlin decidiu colocar forças de elite em Kherson, principalmente pára-quedistas, com o objetivo de reagir rapidamente se houver quebras na linha de frente. Os ucranianos, por outro lado, se dedicaram a usar artilharia de longo alcance para explodir pontes sobre o Dnipro, bem como os pontões montados pelos invasores, dificultando o abastecimento das guarnições russas a oeste do Dnipro. Se os pára-quedistas que os resgatam não conseguem voar, a situação se torna ainda mais delicada. E talvez seja também por isso que a Ucrânia agora insiste tanto em receber defesas aéreas.


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