O evento de formatura dos novos cinco membros afiliados da região de São Paulo da Academia Brasileira de Ciências (ABC) para o período de 22 a 26 foi realizado na sala do simpósio Sirius, dentro do campus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), instituição vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTIC).
O CNPEM é responsável pela gestão dos Laboratórios Nacionais de Luz Síncrotron (LNLS), Biociências (LNBio), Biorenováveis (LNBR) e Nanotecnologia (LNNano). O LNLS opera o Sirius, a única fonte de luz síncrotron da América Latina e um conjunto de instrumentos científicos para análise dos mais diversos tipos de materiais, tanto orgânicos quanto inorgânicos; O LNBio desenvolve pesquisas em áreas de fronteira da biociência, com foco em biotecnologia e farmacêutica; LNBR investiga processos biotecnológicos para transformação de biomassa em combustíveis, materiais e insumos químicos; e o LNNano realiza pesquisas com materiais avançados, com grande potencial econômico para o país.
Os quatro laboratórios também possuem projetos de pesquisa próprios e participam da agenda transversal de pesquisa coordenada pelo CNPEM, que articula instalações e competências científicas em torno de temas estratégicos. Todos eles habitam o campus do CNPEM, que também abriga o Sirius.
Convidado para ministrar a Palestra do evento, o Acadêmico Antônio José Roque da Silva, que é diretor geral do CNPEM, escolheu o próprio Sirius como tema.
O equipamento é como um enorme microscópio que permite ver o interior dos materiais, ao nível dos seus átomos e moléculas, e ver como funcionam. Ele pode ser usado em muitas áreas, com impacto no desenvolvimento de medicamentos, alimentos, fertilizantes, novas fontes de energia – e oferece muitas outras possibilidades. Essas pesquisas trazem avanços científicos para o Brasil e o mundo.
Segundo o diretor, o Sirius tem em seu coração aceleradores de partículas, responsáveis por acelerar os feixes de elétrons a velocidades muito altas, muito próximas da velocidade da luz, e por mantê-los circulando em órbitas estáveis por várias horas em ultra-alto vácuo. , enquanto produz luz síncrotron. “Cada um desses feixes tem, em algumas partes do acelerador, apenas 1,5 micrômetro de tamanho vertical, ou seja, é cerca de 50 vezes menor que um fio de cabelo”, explicou Roque (saiba mais nos vídeos de divulgação do CNPEM).
A linha do tempo mostra o longo prazo
Roque mostrou que o caminho para o Brasil ter equipamentos científicos únicos na América Latina e de destaque mundial foi longo. Começou em 1981, com as primeiras discussões provocadas pelo então presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Lynaldo Cavalcanti, que incentivou Roberto Lobo, então diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), a à Universidade de Paris-Sud, para visitar o Laboratório de Aproveitamento de Radiação Eletromagnética (LURE).
Então, em 1982 e 1983, foi estabelecido o Projeto de Radiação Sincrotron para realizar o estudo de viabilidade para a implantação de um laboratório nacional. A proposta foi elaborada por um grupo de pesquisadores do CBPF que, além de Lobo, contou com Ramiro Muniz, Jacques Danon e Aldo Craievitch.
No entanto, não havia mão de obra qualificada para trabalhar na área. “O fato é que em meados da década de 1980 havia apenas cerca de dez pesquisadores no Brasil que utilizavam e/ou conheciam as possibilidades da luz síncrotron”, relatou Roque. Precisava-se de profissionais nas áreas de engenharia de aceleradores e instrumentação científica, que não existiam no país. A solução pouco convencional foi contratar jovens, a maioria em busca do primeiro emprego, e treiná-los com a “técnica prática”, segundo Roque. “Foi feito um esforço contínuo para treinar futuros usuários de luz síncrotron, por meio de cursos, palestras, oficinas e formação no estrangeiro”.
O CBPF organizou alguns desses encontros, cujos debates enriqueceram e aperfeiçoaram a proposta e treinaram pesquisadores para o uso de técnicas e aplicações de radiação síncrotron. “Em 1985, um grupo de cientistas – Liu Lin, Hélio Tolentino e Ricardo Rodrigues, que liderou a equipe – foi para a Universidade de Stanford com foco em aprofundar os estudos para o projeto de laboratório, com apoio do CNPq, retornando ao Brasil com uma proposta inicial para um acelerador”, disse o acadêmico.
Entre outras quatro cidades do Brasil que se ofereceram para sediar este laboratório, Campinas foi a campeã. No ano seguinte, o então ministro Renato Archer anunciou a implantação do Laboratório Nacional de Radiação Síncrotron (LNRS); em 1986, o CNPq comprou um galpão e, em 1987, uma equipe de 26 pessoas passou a trabalhar lá.

Este foi o início da construção do primeiro síncrotron do hemisfério sul, chamado UVX. A liderança do projeto contou com a Cylon Gonçalves da Silva, Ricardo Rodrigues e Aldo Craievich. Em 1990, foi inaugurado um acelerador linear de elétrons de 50 MeV e, nos anos seguintes, iniciou-se o desenvolvimento e produção de equipamentos aceleradores e linhas de feixe. “Praticamente todas as peças UVX não foram apenas projetadas no LNLS, mas também fabricadas lá”, destacou Roque (saiba mais no vídeo do CNPEM).
Entre 1990 e 1996, foram feitas as construções necessárias no campus e concluída a montagem do anel, na qual as vigas passaram a dar suas primeiras voltas. Em seguida, foram montadas as primeiras linhas de luz, de diferentes tipos, cada uma com seu uso. Em 1997, sete linhas de luz síncrotron foram abertas aos usuários: duas em ultravioleta, uma em raios X suaves e quatro em raios X.

No final deste ano, o UVX, construído e operado pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), foi inaugurado pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. E em 1998, a gestão do LNLS passou a ser realizada pela primeira Organização Social do Ministério da Ciência e Tecnologia, a Associação Brasileira de Tecnologia da Luz Síncrotron (ABTLuS).

Para uma nova fonte de luz síncrotron de alto desempenho

Após alguns anos de uso profícuo, recebendo milhares de pesquisadores por ano, com experimentos nas mais diversas áreas do conhecimento, desde estruturas de proteínas até propriedades de supercondutores e catalisadores, foi identificada a necessidade de equipamentos mais competitivos. Assim, em 2008, foi entregue ao MCT uma proposta para a elaboração de um projeto conceitual para uma nova fonte de luz síncrotron, agora com alto desempenho.
Considerando a expansão das atividades do LNLS além do síncrotron, nesse período o nome da ABTLuS foi alterado para Centro Nacional de Pesquisas em Energia e Materiais (CNPEM), deixando de designar apenas um laboratório e evoluindo para a configuração com vários laboratórios nacionais, que é a atual estrutura do CNPEM. Roue disse que em 2010, “houve uma competição interna para nomear o novo síncrotron, e o escolhido foi Sirius, que é a estrela mais brilhante do céu noturno”.

Entre 2009 e 2012, o projeto Sirius avançou com o desenvolvimento de protótipos e o projeto conceitual, sempre visando um síncrotron de 3ª geração competitivo, que era o mais moderno em operação no mundo naquele período. “A MCTI comprou a ideia”, enfatizou Roque. Assim, em 2012 o projeto Sirius foi incluído na Lei Orçamentária Anual (LOA) e a construção de uma fonte de luz síncrotron de 3ª geração foi incorporada ao Plano Plurianual 2012-2015 do Governo Federal.
Por que não um dispositivo de 4ª geração?
No entanto, quando o projeto foi apresentado ao comitê internacional (Machine Advisory Committee – MAC) em 2012, o feedback recebido foi que a atual grade magnética era excelente para os padrões atuais, mas que era fortemente recomendado que o LNLS visasse os padrões do futuro brilho.
E o desafio foi aceito, embora não fosse pequeno. Uma máquina de 4ª geração (nome que nem era usado em 2012) seria muito mais difícil de construir, pois apresentava vários aspectos técnicos novos a serem resolvidos. Isso exigiria uma revisão completa do projeto. Os requisitos de estabilidade para todos os subsistemas, incluindo o edifício, seriam bastante rigorosos, para garantir que o tamanho do feixe de elétrons ao longo de sua órbita de mais de 500 m seja mantido, algo essencial para preservar as características diferenciadas da luz síncrotron dessas máquinas . 4ª geração.
“Naquela época, em 2012, apenas a Suécia construía equipamentos como esse e não havia nenhum em operação no mundo”, explicou o diretor do CNPEM. “Ou seja, o Brasil era pioneiro em um projeto extremamente desafiador do ponto de vista tecnológico, que colocaria a ciência nacional em um patamar muito mais competitivo.”
Passamos então à definição de soluções. A primeira foi a questão do tamanho: equipamentos desse tamanho exigiam espaço. Para solucionar esse problema, após muita negociação, o Governo do Estado de São Paulo expropriou, em 2013, um terreno de 150 mil m2 de propriedade do Banco Santander, adjacente ao CNPEM.
Para a definição do piso especial onde seriam montados os aceleradores, foram construídos dois protótipos e muitas medições e simulações foram realizadas durante a elaboração do projeto executivo do edifício de 68.000 m2 (saiba mais no vídeo).
Com o andamento do projeto de construção, os aceleradores e as linhas de luz, em 2014 foi publicado um livro: “Projeto Sirius: a nova fonte de luz síncrotron brasileira”, apresentando o projeto ao país. Roque informou que, então, o MCTI considerou o Sirius como um projeto estruturante e decidiu apoiar integralmente o projeto financeiramente, dando luz verde para o início das obras civis, que ocorreu em janeiro de 2015. “O MCTI enviou o Sirius para integrar o Programa de Aceleração do Crescimento Programa (PAC), que efetivamente ocorreu em 2016”, relatou.
Paralelamente às obras civis, continuaram os projetos e a produção de equipamentos para os aceleradores e linhas leves, em grande parte em parceria com empresas brasileiras, de modo que mais de 80% da execução financeira do projeto foi realizada no país, demonstrando a importância de projetos como o Sirius para o avanço da indústria de alta tecnologia no Brasil. Em 2018, foram concluídas as obras civis e montagem do acelerador linear, que foram inaugurados no final deste ano.
sempre evoluindo

O diretor disse que ao longo de 2019 o Impulsionador, o Anel de Armazenamento e as duas linhas de transporte. Iniciou-se também a montagem das primeiras linhas de luz. “No final de 2019, ocorreu o primeiro giro de elétrons no anel de armazenamento, com posterior acúmulo e emissão de luz síncrotron, o que permitiu obter as primeiras imagens tomográficas feitas em uma estação experimental de testes”, destacou o físico.
Ao longo de 2020 e 2021, mesmo com a pandemia, deu-se continuidade à montagem das linhas de luz. “Em 2020, foi inaugurada a linha de luz Manacá, dedicada à cristalografia de macromoléculas, que recebeu os primeiros usuários do Sirius para pesquisa das proteínas Sars-cov-2”, destacou Roque. Em 2021, foram inauguradas mais cinco linhas leves.

“Em 2022, já temos experimentos sendo realizados em sete linhas leves: em Manacá, Carnaúba, Cateretê, Ema, Ipê, Imbuia e Mogno. Até o final do ano, esperamos ter mais três linhas de luz recebendo feixes – Cedro, Paineira e Sabiá. E este ano já acertamos com o MCTI a realização de 100 propostas experimentais de usuários externos”, explicou Roque.
Empolgado com o projeto, José Roque afirmou que Sirius não é apenas uma das maiores histórias de sucesso do Brasil, mas uma conquista duramente conquistada da ciência brasileira. “Muitos sonhadores, com muita dedicação, criaram essa realidade nos últimos 40 anos”, disse Roque. E citou o físico Albert Einstein, que dizia que “o segredo da criatividade está em dormir bem e abrir a mente para infinitas possibilidades. O que é um homem sem sonhos?”
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